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Agosto é o mês do Dia dos Pais e o Cine Debate não poderia deixar o momento passar despercebido. Assim, para refletir sobre a data, foi escolhido o filme “Capitão Fantástico” (2016). A discussão na última sexta, dia 12, foi intensa: educação, paternidade, estilo de vida, o papel da escola, o homeschooling, a vida na natureza, o consumo, o capitalismo e vários outros temas foram levantados e debatidos.

Capitao Fantastico

Logo no início do evento, os professores Jean Siqueira e Marcos Maurício explicaram as razões para a escolha do filme. Como costuma acontecer no início da conversa no Cine Debate, Jean apresentou alguns dados da ficha técnica da obra, falando brevemente sobre seu diretor e roteirista, Matt Ross – que, além de “Capitão Fantástico”, só dirigiu mais um longa, o filme “28 hotel rooms” (2012) –, e também de alguns dos seus atores como Viggo Mortensen, Frank Langella e George MacKay.

Viggo Mortensen

Casal cria filhos em floresta com metodologia de ensino que critica consumismo

No filme, Ben Cash (Viggo Mortensen) tem seis filhos, com quem vive longe da civilização, no meio de uma propriedade florestal. A educação da família, tanto acadêmica como física, é dada pelo pai. O filme não defende uma tese sobre a melhor forma de educar os filhos, haja vista que são mostrados lados opostos e problemas da educação mais tradicional e da abordagem alternativa criada por Ben.

Em sua primeira intervenção, a filiada Maria de Lurdes Duarte destacou dois aspectos acerca do tipo de concepção educacional seguida por Ben, um positivo e outro negativo. De positivo, afirmou Lurdes, havia “a sensibilidade dos personagens com a natureza e a vida mais simples.” Negativamente, no entanto, havia uma educação só com o contato com o pai, sem a interação com outras pessoas e com diferentes formas de ver e pensar o mundo. As diferentes interações humanas, enfatizou Lurdes, são fundamentais para a formação da personalidade dos indivíduos.

Na mesma linha de raciocínio, Beth Castellão defendeu a necessidade das interações humanas para a produção e reprodução do conhecimento. Beth relatou que costuma trabalhar o filme “Capitão Fantástico” nos cursos de formação de professores, justamente com o intuito de mostrar aos futuros professores a necessidade de as crianças terem interações sociais diversas, já que é assim que enriquecem seu repertório de sensações e, desse modo, passam a formar pensamentos cada vez mais complexos. Beth ainda observou que o personagem de Ben havia criado um sistema novo de convivência por não concordar com a sociedade consumista e capitalista em que vivemos, optando por fugir com a família para isolar-se desse modo de sociabilidade em vez de lutar de dentro da sociedade para contribuir com a mudança dessa condição.

A Dirigente Sindical Alcina Carvalho também concordou que a família de Ben, ao final das contas, estava fugindo do embate com a sociedade capitalista e tentando construir uma utopia particular, plasmada em um novo projeto de educação. E voltando-se para a questão da narrativa fílmica, Alcina pontuou que o longa solucionava os conflitos que construíra, evitando deixar situações concretas em aberto, o que, de seu ponto de vista, permitia situar a obra em um estilo narrativo mais tradicional. Contudo, sublinhou que, do ponto de vista temático, a história de Ben e sua família colocava diversas questões provocativas de maneira crítica e problematizadora, isto é, sem se comprometer explicitamente com algum ponto de vista teórico acerca delas.

Ainda sobre a questão das soluções narrativas encontradas no longa, Maria Cinto disse que o filme fechava “numa solução de equilíbrio”. Segundo ela, Capitão Fantástico acabava por apontar tanto para a importância do contato com a natureza, quanto para a necessidade do contato com as outras pessoas e com a escola, ainda que no marco de uma sociedade tão desigual e opressora quanto a das grandes cidades. Cinto também chamou a atenção sobre outro tema importante no filme: a questão da saúde mental, que embora pudesse parecer meio escanteada em virtude de ser tematizada poucas vezes ao longo do filme, era de grande importância para a história narrada. A bipolaridade de Leslie (mãe das seis crianças de Ben) e seu suicídio foi, nesse contexto, outro tema discutido pelas pessoas presentes.

Filiadas Debatem Capitão Fantástico

Suposta diferença na forma com que homens e mulheres criam filhos causa polêmica

Homens e mulheres cuidam com a mesma intensidade, mobilizando os mesmos afetos, dos seus filhos? Há formas diferentes de carinho e afeto de pai e mãe? Maria Cristina Garcia disse acreditar que sim e que o pai de “Capitão Fantástico” exigia dos filhos um tipo de performance que talvez uma mãe não exigisse (no filme, pouco se sabe sobre a maneira como Leslie lidava com essa questão). Além disso, ainda segundo Cristina, Ben parecia não ter o cuidado e o carinho que todos os filhos precisam. Ele queria que os filhos aprendessem o máximo possível, que fossem perfeitos no que faziam, e, ao proceder dessa maneira, não se mostrava muito acolhedor ou condescendente. A Dirigente Sindical Maura Maria da Silva concordou com esse pensamento e foi além, afirmando que Ben apresentava características de uma pessoa autoritária e perfeccionista.

Já Maria Lucia José discordou dessa perspectiva, analisando que havia diferentes formas de amar. Para ela, há pessoas que guardam aspectos de suas emoções e as revelam de maneiras diferentes, menos explícitas, mais sutis – e isso acontecia com Ben, que, apesar de realmente exigir o melhor de seus filhos, também expressava profundo afeto por eles.

Passando a outro tópico, Malu viu ao longo de todo o filme a presença de vários símbolos ritualísticos indicando transições existenciais, desde a do “o menino que passa a adulto” caçando e comendo o coração do animal abatido, até o desfecho envolvendo as cinzas da mãe. Além disso, tanto Malu quanto outras filiadas presentes ao debate interpretaram o filme como uma forte crítica ao way of life norte-americano. Malu encerrou sua fala com dúvidas sobre o título do filme, ponto que Jean retornou no final do encontro.

Depois do intervalo (afinal, nem só de conhecimento vivemos...), os debatedores Marcos e Jean retomaram a fala com pequenas análises sobre o filme e temáticas relacionadas. Marcos, a partir de textos de Noam Chomsky, tentou apontar motivos que talvez tivessem levado a família Cash a celebrar o autor em um dia festivo, em 7 de dezembro (data de nascimento de Chomsky). Marcos também apresentou informações sobre a lei da educação familiar (homeschooling) no Brasil e como está sua tramitação no Congresso. A lei foi aprovada pela Câmara dos Deputados e agora está parada no Senado – ainda sem data para apreciar o texto. Além disso, falou sobre os grupos diretamente interessados na aprovação dessa lei – interesses que, claro, passam muito longe das inspirações de Ben... Por fim, trouxe a declamação do poema “A escola”, de Paulo Freire. 

Como contribuição final ao evento, o professor Jean trouxe uma associação entre temas centrais do filme e algumas ideias e conceitos presentes na obra do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, bastante conhecido pela obra “A Sociedade do Cansaço”, de 2010 (na edição original em alemão e traduzida para o português em 2015). Sua proposta girou em torno da relação entre a singularidade humana (ele trouxe três cenas do filme que a família de Ben se refere como sendo “única”, diferenciada do restante da sociedade – algo que se reflete no nome dos filhos de Ben e Leslie, todos eles inventados pelos seus pais) e aquilo que Han em diversos de seus textos chama de “o inferno do igual”, ou seja, a tendência de homogeneização dos indivíduos nas sociedades de consumo, onde se tornam todos “iguais” sob esse aspecto. Além disso, procurou mostrar como a crítica ao consumismo aparece na obra de Han (como nos textos “A sociedade transparente” e “Agonia de Eros” ambos de 2012; “A salvação do belo”, de 2015, “A sociedade paliativa”, 2020, dos quais alguns trechos foram lidos e explicados) e ilustrou como essa poderia ser associada a outra cena de “Capitão Fantástico”.

Mistério envolve Capitão Fantástico que teria dado nome ao filme

Música de Elton John

Mas e o título do filme? Em suas colocações, Alcina já tinha dito que o filme trazia várias referências e citações a clássicos da literatura, da filosofia e de outras áreas do conhecimento – de Dostoiévsky à teoria das supercordas, de Chomsky ao pensamento marxista, do Dr. Spock (e não o famoso vulcaniano de “Jornada nas Estrelas”) aos quadrinhos de Spielgman. E foi em um produto da cultura e da arte popular que Jean encontrou uma possível referência para o nome do filme de Matt Ross: a canção Captain Fantastic and the Brown Dirt Cowboy, lançada em um álbum homônimo por Elton John em 1975. Teria sido ela uma inspiração para o nome do longa? O diretor/roteirista conhecia o álbum e a canção de Elton John? Quase numa mistura de Cine Debate e Música em Debate, a música foi escutada, sua letra traduzida apresentada e alguns versos foram interpretados. E lá estavam algumas possíveis associações com temas e fatos do filme. Ao ver a capa do álbum, Malu lembrou que na marcante cena do filme em que Ben e seus filhos chegam ao velório de Leslie na grande cidade, todos estavam vestidos com roupas típicas dos anos 70, sendo a de Bem realmente semelhante à da figura do Capitão Fantástico estampando a capa da obra de Elton John. Enfim, talvez só algumas curiosas e belas coincidências... 

Mês que vem tem mais Cine Debate. Participem com a gente desses encontros cada vez mais fantásticos!

Imagens: Reprodução

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