"Na hora em que falta o básico, como alimento e moradia, a educação cai na prioridade da família", Clélia Gomes Trindade Fernandes, diretora da EMEF Jornalista Millôr Fernandes

A Busca Ativa Escolar – metodologia e plataforma desenvolvida pelo UNICEF, em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e com apoio do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) -, chegou à rede municipal de São Paulo para ser uma importante aliada no enfrentamento da evasão escolar. Algumas escolas aderiram à ferramenta com excelentes resultados, como a EMEF Jornalista Millôr Fernandes - que fica em Campo Limpo, na zona sul da Capital. "Temos raros casos de evasão no momento”, afirma Clélia Gomes Trindade Fernandes, diretora da instituição.

Na EMEF Millôr, junto com a pandemia, deu-se início a uma busca intencional e constante pelos alunos da unidade escolar num esforço para conter a evasão com o auxílio da metodologia. Assim, criaram um ranking de participação dos estudantes, baseado na assiduidade e na realização das tarefas e atividades propostas, e, caso a coordenação pedagógica percebesse alteração no desempenho de alguém, os responsáveis eram chamados para conversar, porque haveria então a suspeita de que aquilo esconderia um motivo ainda maior: "Ou tinham perdido um familiar para a Covid-19 ou não tinham o que comer".

De mais de 800 alunos, apenas quatro alunos ainda na busca ativa, enquanto este número tem sido bem mais significativo nas escolas da região. "Temos consciência de que fizemos o dever de casa durante toda a pandemia", reforça a diretora."Nosso trabalho foi o de acolher, ouvir as histórias, olhar no olho de cada um", frisa Clélia Gomes Trindade Fernandes, que recebeu a reportagem do SINESP para uma entrevista em que conta mais detalhes da ação feita na unidade escolar em que atua como diretora.

SINESP - Qual é a realidade hoje da EMEF Jornalista Millôr Fernandes?

Clélia Gomes Trindade Fernandes - No Millôr temos hoje 834 alunos efetivamente matriculados e destes, 33 são alunos com alguma necessidade especial.

SINESP - Como a equipe gestora da EMEF Jornalista Millôr Fernandes lidou com os primeiros momentos da pandemia de Covid-19?

Clélia - Podemos afirmar que o sabor do período foi bem mais amargo! Pois, além de estarmos sofrendo dos mesmos medos, inseguranças e angústias de toda uma sociedade, entendíamos que tínhamos ainda mais essa tarefa: a de não nos perdermos num mar gigante de angústias e medos que nos fizessem desaperceber nossa missão na escola... Manter uma equipe escolar engajada não é uma tarefa simples em tempos normais e tudo ficou ainda mais complicado durante a pandemia... Porém, no Millôr todos nós tínhamos uns aos outros! Podíamos contar com toda a equipe coesa e se colaborando! Uma equipe, que a cada vez que uma de nós precisava sair de cena por algum motivo, levava a certeza de que o melhor continuaria a ser feito! Foi emocionante ver o trabalho da coordenação do Millôr, acolhendo os professores e alunos e proporcionando muitas reflexões com todo o grupo que em tempos de escola presencial não seria possível por causa das jornadas de cada ator dentro da escola! Foi emocionante (re) conhecer o talento de nossos colegas professores e gestão. A Rede Municipal, como um todo aproveita muito pouco os talentos que temos dentro das escolas! Aproveitamos este período para estudar com cada um deles! Trabalho que foi cuidadosamente articulado pelas coordenadoras Regina Lyrio e Elaine Caldas!

SINESP - Quais foram as primeiras ações da equipe junto à comunidade depois do decreto do prefeito que suspendeu as aulas presenciais, em março de 2020?

Clélia - Fomos inundados com uma quantidade imensa de ações sociais: distribuir cestas básicas, identificar e entregar cartões merenda, identificar e distribuir livros e materiais escolares aos alunos sem acesso à internet, planejar, preparar e entregar tarefas individualizadas para os nossos alunos com deficiência, atender à crescente demanda de efetiva matrícula já que o número de remanejamento de alunos nas diferentes redes de ensino cresceu significativamente durante a pandemia e garantir minimamente as aprendizagens de nossos alunos nas suas mais diferentes realidades.

SINESP - Como foi organizado o ensino a distância?

Clélia - A maior parte através do trabalho online nas plataformas Google Sala de Aula. Os professores criaram grupos de whatsapp e trabalhavam como tutores de suas classes, responsáveis pela comunicação entre escola e família, tanto dos objetivos didáticos-pedagógicos como também de informação às famílias sobre atendimentos sociais, como: entregas de cartão merenda, cestas básicas, tablets, uniformes e material escolar. Funcionando como uma linha mais direta e rápida para dar suporte de atendimento às famílias. Confesso que aqui, precisamos de conscientizar os professores da importância deste canal, já que muitos deles se mostraram reticentes a princípio, mas, que, depois, ao verem que estávamos alcançando objetivos importantes, cederam!

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SINESP - Como foi manter a equipe coesa durante o período de isolamento?

Clélia - Durante todo o ano de 2020, procuramos manter toda a equipe da escola: professores das diferentes áreas, coordenação e equipe gestora muito engajados e conscientes de que perderíamos nossos alunos de vista se não estivéssemos o tempo inteiro preocupados com suas dificuldades em acessar as plataformas que foram disponibilizadas gradativamente e com todas as dificuldades que todos nós conhecemos bem! O teletrabalho a que fomos submetidos acabou permitindo um maior envolvimento entre todos os membros do corpo docente com a coordenação, pois as reuniões online permitiram formações preciosas que, no dia a dia, não é possível.

SINESP - E como foi manter os pais engajados no aprendizado de seus filhos, nessa parceria com a escola durante a pandemia?

Clélia - Desde o começo do isolamento, logo após o decreto do prefeito, tínhamos consciência de que quanto maior fosse o tempo que ficássemos afastados, maiores seriam os riscos de evasão. Fizemos reuniões na quadra para garantir o distanciamento e a ventilação adequados. Percebemos que estava na hora de usar todas as possibilidades para trazer os pais de volta à escola. Precisávamos falar da situação olhando para eles de frente. Sabíamos que seria um trabalho hercúleo e que esse era o nosso papel. Chegamos a fazer 28 reuniões em uma semana! Não poderíamos deixar o fogo esfriar. Como diz o ditado popular, para pegar uma galinha não se pode falar "xô!". 

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SINESP - Como o esquema de retorno foi desenhado?

Clélia - O retorno de forma híbrida dos professores começou a ocorrer a partir de fevereiro de 2021, quando começamos a fazer o atendimento também presencial. Logo no mês seguinte, disponibilizamos o atendimento presencial a 100% de nossos alunos, para informações presenciais e dicas de estudo nas plataformas online. Porém, como os riscos de segurança na escola ainda eram muito severos, dividimos as turmas nos 5 dias da semana e neste momento, trabalhávamos com 5 cores de crachás e as crianças e adolescentes podiam vir ao menos um dia da semana... para irem se aproximando do espaço da escola e do contato presencial com seus professores. A partir de maio, após o conselho de classe bimestral, sentimos a necessidade de que as crianças mais vulneráveis e com maior dificuldade no desempenho online pudessem frequentar as aulas todos os dias de forma presencial.

SINESP - Houve algum esquema especial para os alunos com deficiências?

Clélia - Neste período a totalidade de nossos alunos com alguma deficiência eram atendidos em suas casas. E, de forma online, através de atividades específicas elaboradas para cada uma delas pela professora Cátia, da Sala de Recursos Multifuncionais, em parceria com os professores das turmas. E, é preciso levar em consideração que neste momento o número de óbitos pela COVID 19 estava ainda muito alto em todos os Estados do Brasil. A partir de agosto deste ano, passamos a atender a totalidade de nossos alunos intercalando os dias... dia sim - dia não. Com duas cores de crachá (verde e laranja), aumentando o estudo presencial. Alunos com alguma deficiência que precisassem vir todos os dias ganhavam crachá roxo, de acordo com a autonomia de ações na escola e de acordo com o desejo de seus pais.

SINESP - Como foi a reta final do isolamento? 

Clélia - Sabíamos que agora era uma questão de esperar para que a vacina chegasse aos profissionais da educação e com isso pudéssemos fazer o que temos plena certeza aqui no Millôr: de que só a educação poderá devolver a realidade de se respirar livremente neste país... (em todos os sentidos, inclusive no que se refere à saúde pública)!

SINESP - Na sua opinião, qual é o maior desafio agora para os educadores?

Clélia - Este é nosso cerne, é nossa vocação, é a nossa responsabilidade e não podemos continuar nos esquivando de entender de que somos a linha de frente agora! E, isto nada tem a ver com sermos alienados ou não compreendermos que, agora mais do que nunca precisamos lutar intensamente pela manutenção dos nossos direitos trabalhistas, contra governos oportunistas que fazem das dores e sofrimento de uma sociedade inteira na pandemia o "pano de fundo ideal" que necessitam para se colocar a sociedade contra os servidores públicos! Ao contrário disto... É justamente a clareza da nossa importância social e do quanto podemos fazer em cada sala de aula, em toda a nossa cidade, que nos traz o senso de urgência. Exigirmos que mais e mais crianças e adolescentes estejam vacinados, assim como todo o efetivo de profissionais de educação, inclusive com a dose de reforço, esta deve ser uma de nossas metas e recebermos a totalidade de nossos alunos para nossas salas de aula para que lhes possamos assegurar seus direitos de sonhar também! 

"Aproveito esta rara oportunidade para publicizar meu agradecimento e parabenizar a toda a equipe da EMEF Jornalista Millor Fernandes, pelo empenho, pelo conjunto de ações conscientes e planejadas com um único objetivo: de fazer o melhor possível pelos nossos alunos e nossa comunidade escolar em tempos tão difíceis!", sublinha Clélia.

Logística de entrega de tablets também ajudou no engajamento das famílias, lembra coordenadora pedagógica

A chegada dos tablets ajudou a localizar muitos alunos e a recolocá-los no processo de ensino e aprendizagem da escola, conta a diretora. A coordenadora Regina Aparecida Paulo Lyrio descreve como foi o processo de entrega dos tablets, já que ficou à frente da logística de distribuição. 

Regina assinala que assim que foram informadas sobre a chegada dos tablets na escola e da necessidade de sua distribuição imediata, buscaram se apropriar das condições da tarefa à frente. Com a valiosa ajuda e conhecimento do POED Prof. Pedro, foi feita uma planilha em que cruzaram dados numéricos dos tablets e código EOL de cerca de 840 alunos. Numa força tarefa, em uma semana a planilha estava pronta e os tablets identificados.

A coordenação organizou então a entrega dos tablets, informando as famílias através do whatsapp, com as orientações sobre a necessidade da presença do responsável portanto documento com foto, em dia e horário pré-estabelecidos. Durante a semana de 19 a 23 de abril de 2021, foram distribuídos cerca de 600 tablets.

Vale ressaltar que não havia ainda tablets para todos e a entrega incluiu a distribuição de cestas básicas que também não eram para todos os alunos, de modo que foi necessário um minucioso levantamento de quais alunos estavam fora da lista e de avisar a essas famílias em particular, para evitar transtornos e frustrações, destaca a coordenadora. "Uma logística eficiente com uma equipe antenada e comprometida permitiu que fôssemos a primeira escola da região a entregar cerca de 70% dos tablets ainda em abril", conta.

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