Parecer CME nº 18/00 - CNPAE - Aprovado em 05/10/2000

Secretário Municipal de Educação

Consulta sobre o entendimento e o alcance das expressões : "órgão responsável pela educação" e "órgãos responsáveis pelos sistemas de ensino".

Relatores : Conselheiros Arnold Fioravante, José Augusto Dias, Luiz Carlos Fernandes de Mattos e Nacim Walter Chieco

1. RELATÓRIO

I. HISTÓRICO

1.1 O senhor Secretário Municipal de Educação de São Paulo, professor João Gualberto de Carvalho Meneses, formula consulta a este colegiado, em 25 de maio p.p., sobre tema cuja relevância justifica a transcrição do inteiro teor do Ofício :

"Por este encaminhamos consulta a esse Egrégio Conselho sobre o entendimento e o alcance das expressões 'órgão responsável pela educação', a que se refere o § 5º, do artigo 69, da Lei Nº 9394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB) e 'órgãos responsáveis pelos sistemas de ensino', a que se refere o artigo 11, da Lei Nº 9424, de 24 de dezembro de 1996.

" A consulta é motivada pelos fatos que expomos a seguir :

· "A Prefeitura do Município de São Paulo possui uma estrutura administrativa complexa, para o cumprimento de suas competências e atribuições constitucionais e legais. De modo bastante sucinto pode-se afirmar que as atividades-fim são realizadas por Secretarias e órgãos municipais específicos e as atividades-meio por outras Secretarias e órgãos municipais delas provedoras.

"A Secretaria Municipal de Educação detém a responsabilidade substantiva sobre os órgãos administrativos próprios, sobre a rede da educação básica (pré-escola, ensino fundamental e médio) e sobre os órgãos técnicos que proporcionam a orientação pedagógica das atividades ligadas ao processo de ensino-aprendizagem. Para se ter uma idéia da magnitude do sistema municipal de ensino de São Paulo basta lembrar que se trata de uma das maiores cidades do mundo, com mais de dez milhões de habitantes. A rede escolar mantida pelo município já tem matriculado mais de um milhão de alunos, em cerca de 850 unidades escolares (sem considerar as creches) e cinqüenta mil funcionários. O orçamento municipal do ano 2000 prevê uma receita de R$ 7.646.048.000,00, sendo R$ 5.613.446.195,00 de impostos; a despesa prevista para a educação é de R$ 1.713.891.211,00 dos quais R$ 1.107.151.000,00 são destinados ao orçamento da Secretaria Municipal de Educação.

· "A Secretaria Municipal de Administração, entre outras atividades, providencia a aquisição de material, equipamentos e utensílios escolares; realiza o processo de recrutamento, seleção, contratação e condições de trabalho do pessoal docente e técnico-administrativo.

· "A Secretaria Municipal de Abastecimento é responsável pelo fornecimento de merenda escolar, inclusive pela elaboração dos cardápios e pela fiscalização de sua qualidade.

· " Enquanto não se conclui o Plano de Integração das Creches ao Sistema Municipal de Educação, o cuidado com as crianças de 0 a 3 anos de idade é atribuição da Secretaria Municipal de Assistência Social.

· "A Secretaria Municipal de Finanças administra todo o sistema financeiro e contábil da Prefeitura Municipal. Nessa área a Secretaria Municipal de Educação unicamente detém o acompanhamento e o controle da execução orçamentária referente às verbas dotadas nas respectivas rubricas de seu Orçamento Programa anualmente aprovado.

· "Outras secretarias e órgãos municipais também possuem dotações orçamentárias comprometidas com manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 212 da CF e art. 70 da LDB).

"Como se vê, embora esta Secretaria tenha a principal responsabilidade pela educação básica no Município, ela não é de sua exclusividade. Nem a gestão financeira dos recursos destinados à educação é de sua exclusiva competência. Aliás, com a edição da Lei Nº 9424, de 24 de dezembro de 1996, o acompanhamento e o controle social sobre a repartição, a transferência e a aplicação dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério são exercidos por Conselhos especialmente constituídos para esse fim (art. 4º).

"Por conseguinte, no que se refere às responsabilidades financeiras do município fica a dúvida de se definir atribuições à Secretaria Municipal de Educação como 'órgão responsável pela educação', nos termos da LDB. O mesmo ocorre com o disposto na Lei nº 9424/96, art. 11, onde o uso do plural 'órgãos responsáveis pelos sistemas de ensino' pode induzir à suposição da existência de uma multiplicidade de órgãos.

"Assim, objetivamente, a questão que se coloca é a seguinte : - Pode a Prefeitura do Município de São Paulo estabelecer que a Secretaria Municipal de Finanças seja o 'órgão responsável pela educação' no que se refere aos aspectos econômicos e contábeis e pela aplicação financeira das verbas destinadas à educação?

"Aguardando o pronunciamento, aproveitamos a oportunidade, para renovar meus protestos de estima e consideração."

1.2 Os dispositivos legais, objeto da presente consulta, são :

a) Artigo 69, com destaque para o § 5º, da LDB :

"Art. 69 - A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, vinte e cinco por cento, ou o que consta nas respectivas Constituições ou Leis Orgânicas, da receita resultante de impostos, compreendidas as transferências constitucionais, na manutenção e desenvolvimento do ensino público.

§ 1º - A parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou pelos Estados aos

respectivos Municípios, não será considerada, para efeito do cálculo previsto neste artigo, receita do governo que a transferir.

§ 2º - Serão consideradas excluídas das receitas de impostos mencionadas neste artigo as operações de crédito por antecipação de receita orçamentária de impostos.

§ 3º - Para fixação inicial dos valores correspondentes aos mínimos estatuídos neste artigo, será considerada a receita estimada na lei do orçamento anual, ajustada, quando for o caso, por lei que autorizar a abertura de créditos adicionais, com base no eventual excesso de arrecadação.

§ 4º - As diferenças entre a receita e a despesa previstas e as efetivamente realizadas, que resultem no não atendimento dos percentuais mínimos obrigatórios, serão apuradas e corrigidas a cada trimestre do exercício financeiro.

§ 5º - O repasse dos valores referidos neste artigo do caixa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ocorrerá imediatamente ao órgão responsável pela educação, observados os seguintes prazos :

I - recursos arrecadados do primeiro ao décimo dia de cada mês, até o vigésimo dia;

II - recursos arrecadados do décimo primeiro ao vigésimo dia de cada mês, até o trigésimo dia;

III -recursos arrecadados do vigésimo primeiro dia ao final de cada mês, até o décimo dia do mês subseqüente.

§ 6º - O atraso da liberação sujeitará os recursos à correção monetária e à responsabilização civil e criminal das autoridades competentes." (g.n.)

b) artigo 11 da Lei nº 9.424/96 :

"Art. 11 - Os órgãos responsáveis pelos sistemas de ensino, assim como os Tribunais de Contas da União, dos Estados e Municípios, criarão mecanismos adequados à fiscalização do cumprimento pleno do disposto no art. 212 da Constituição Federal e desta Lei, sujeitando-se os Estados e o Distrito Federal à intervenção da União, e os Municípios à intervenção dos respectivos Estados nos termos do art. 34, inciso

VII, alínea e, e do art. 35, inciso III, da Constituição Federal." (g.n.)

II. APRECIAÇÃO

A consulta formulada, bem fundamentada e oportuna, pelo titular da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo refere-se às expressões órgão responsável pela educação, do § 5º do artigo 69 da LDB, e órgãos responsáveis pelos sistemas de ensino, do artigo 11 da Lei regulamentadora do FUNDEF.

No primeiro caso, tendo em vista o contexto legal, trata-se de órgão executivo responsável pela gestão e aplicação dos recursos em educação.

No segundo, como se refere à criação de mecanismos de fiscalização, parece ser correta a expressão órgãos, no plural, pois deve abranger tanto o órgão executivo (secretaria, departamento, diretoria... de educação) como o normativo (conselho municipal de educação).

O sentido da consulta, entretanto, remete a um exame mais cuidadoso do que dispõe a LDB. Nesta o assunto encontra-se no Título VII que trata dos recursos financeiros públicos destinados à educação. O citado artigo 69 reafirma o preceito constitucional (artigo 212 da Constituição Federal - CF) relacionado aos mínimos a serem aplicados anualmente em educação pelos diferentes entes federativos. Acrescenta-se, no caput do dispositivo, a alternativa de observância de limite superior fixado nas Constituições Estaduais ou Leis Orgânicas. Este é o caso da Lei Orgânica do Município de São Paulo (LOM) que, em seu artigo 208, fixa o percentual mínimo de 30%.

Os seis parágrafos do artigo 69 da LDB estabelecem regras relacionadas ao cálculo do percentual, à forma de apuração e correção do repasse e, especificamente no § 5º, aos prazos de repasse dos valores ao órgão responsável pela educação. Nesse aspecto a lei é clara e não deixa margem a qualquer dúvida : o dinheiro arrecadado, feitos os cálculos da vinculação legal, deve ser repassado mensalmente ao órgão responsável pela educação, para que este realize a aplicação dos recursos. Quanto a esse órgão, também não deve pairar incerteza, pois deve tratar-se do principal órgão executivo das ações e negócios de educação, no caso da cidade de São Paulo a Secretaria Municipal de Educação, ainda que outros órgãos também atuem na área educacional. Já aqui pode-se constatar uma implicação que é a eventual necessidade de um segundo repasse ou outra solução para o pagamento de despesas em educação referentes às ações de órgãos diversos da SME.

A questão dos recursos financeiros públicos em educação pode ser analisada sob enfoque de três ângulos fundamentais : a correção, a competência e o valor. Todos eles têm sido objeto de preocupação crescente por parte do poder público e da sociedade. E todos eles precisam ser observados dos pontos de vista técnico, legal, administrativo e político. Não

faremos esse estudo, que resultaria em pelo menos doze abordagens, neste Parecer. Apenas algumas observações na esfera legislativa sobre cada ângulo.

A correção na aplicação dos recursos públicos em educação consiste na observância de normas e critérios que definam com clareza o que seja ou não despesa com manutenção e desenvolvimento do ensino. Nesse campo sempre houve muita controvérsia, e em inúmeros casos, flagrantes distorções. Os próprios Tribunais de Contas não se sentiam seguros e coerentes na análise dos gastos enquadrados em educação pelas administrações públicas. O Conselho Estadual de Educação de São Paulo deu decisiva contribuição ao regulamentar essa matéria para o sistema estadual de ensino em atendimento a dispositivos da Constituição Estadual, com a Deliberação CEE nº 11, de 03 de agosto de 1995. Essa norma provocou muita polêmica, mas foi indiscutível ponto de partida para o que a LDB veio a dispor nos artigos 70 e 71. O assunto está plenamente resolvido com tais dispositivos? Não, mesmo porque as enumerações de tipos de despesas em cada artigo não são exaustivas. Há, portanto, espaço e necessidade de regulamentação complementar, tendo em vista, de um lado, o que a lei já estabelece, e, de outro, as condições e peculiaridades de cada ente federativo. Em São Paulo, o Executivo municipal preparou e encaminhou projeto de lei sobre esse tema, sem prejuízo de estudos ainda em desenvolvimento por parte deste Conselho.

A competência refere-se ao que legalmente cabe a cada ente federativo em termos de níveis, etapas e modalidades de educação. Assim, no título IV - da organização da educação nacional - da LDB, são fixadas as incumbências e abrangência dos sistemas de ensino. Ficam definidas as prioridades e limites de atuação em educação pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Não há impedimento para atuação de qualquer ente fora de tais limites, desde que empregando recursos financeiros além daqueles constitucional e legalmente vinculados. Aos Municípios é clara a responsabilidades de oferta do ensino fundamental e da educação infantil.

O valor consiste no montante de recursos financeiros destinados à educação. No Brasil, esse valor tem sido constitucionalmente vinculado desde a década de 30. Esse tipo de vinculação pode ser considerado um obstáculo aos planos de governo e à administração pública em geral. Mas, trata-se de mecanismo ainda indispensável no nosso país, tendo em vista duas razões fundamentais : as carências e deficits historicamente acumulados de educação pública básica de qualidade e a falta de tradição e consciência política dos governantes no que se refere à constância na destinação de recursos para a educação. O que tem sido observado é que, mesmo com a vinculação, eventualmente há desvios e falhas quanto à observância dos percentuais mínimos estabelecidos. Aqui situa-se o foco motivador da presente consulta.

Sem dúvida alguma, a intenção do legislador ao preceituar o repasse imediato dos recursos arrecadados ao órgão responsável pela educação foi prevenir a ocorrência de tais desvios, conseqüentemente, assegurar correta e adequada aplicação dos recursos de acordo com os limites legalmente fixados. Essa pretensão, embora seja muito plausível, não constitui garantia plena de aplicação correta e adequada dos referidos recursos.

As ponderações formuladas pelo senhor Secretário apontam no sentido de que a execução dessa medida não se mostraria muito viável, nem mesmo conveniente. Resumidamente, as justificativas para esse posicionamento seriam a complexidade da máquina administrativa municipal e a existência de ações educacionais fora do âmbito da SME. Pode-se acrescentar que o cumprimento da norma legal poderia acarretar um aumento de custos da atividade meio, em virtude da duplicação dos serviços financeiros e contábeis. Além disso, nesse aspecto a educação passaria a ter um tratamento diferenciado em relação a outras áreas igualmente de atendimento às necessidades essenciais da população. A menos que se partisse para uma ampla e profunda reforma administrativa, o que não deixa de ser um caminho interessante dados os sinais de evidente esgotamento do modelo atual.

Como se observa, a questão é muito complexa e seguramente deve estar afligindo inúmeros outros Municípios e Estados brasileiros. Independente da solução que venha a ser adotada, uma coisa parece ser certa : há necessidade de que os órgãos responsáveis pela educação profissionalizem-se em matéria de finanças públicas. Não se trata de substituir os educadores por economistas. Trata-se, sim, de capacitar os educadores, sobretudo os que exercem funções de planejamento e controle das despesas, para que possam discutir, negociar e atuar com competência técnica nos campos financeiro e contábil. Além de necessidade funcional, sem dúvida, é também um dever de cidadania.

A lei, como foi dito anteriormente, é clara quanto ao repasse mensal dos recursos ao órgão responsável pela educação. Uma solução equivalente, até que se promova uma reforma administrativa, poderia ser a instituição de um fundo educacional, de natureza contábil, nos moldes do FUNDEF, gerenciado e controlado de forma compartilhada pelos órgãos de educação, finanças, administração e outros direta e significativamente envolvidos. Para esse fundo seriam repassados, mensalmente, os recursos arrecadados, de acordo com o percentual previsto na LOM e em função das necessidades programadas no orçamento da educação. Do fundo não haveria retorno ao tesouro, podendo ser transferidos eventuais excedentes para exercício seguinte ou aplicados integralmente em projetos de expansão e melhoria da rede escolar municipal. Os recursos do FUNDEF, que exigem controles específicos, poderiam constituir uma determinada conta dentro do fundo proposto. Um resultado imediato a ser buscado seria a transparência de informações sistemáticas e constantes sobre o funcionamento do fundo. Inovação dessa ordem dependeria, obviamente, de envolvimento de diferentes áreas da administração e de ato específico do Poder Público municipal.

2. CONCLUSÃO

À consideração do Conselho Pleno, para resposta ao senhor Secretário Municipal de Educação de São Paulo.

Encaminhe-se cópia ao Conselho Nacional de Educação.

São Paulo, 29 de junho de 2000

Arnold Fioravante

José Augusto Dias

Luiz Carlos Fernandes Mattos

Nacim Walter Chieco

Relatores

3. DECISÃO DA COMISSÃO

A Comissão de Normas, Planejamento e Avaliação Educacional adota, como seu Parecer, o voto dos Relatores.

Presentes os Conselheiros Arnold Fioravante, José Augusto Dias e Nacim Walter Chieco.

Sala da Comissão de Normas, Planejamento e Avaliação Educacional, em 29 de junho de 2000.

Arnold Fioravante

Conselheiro Presidente da CNPAE

DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO

O CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO, aprova, por unanimidade a decisão da Comissão de Normas, Planejamento e Avaliação Educacional.

António Augusto Parada

Vice-Presidente no exercício da Presidência

Não foi publicado

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