Autora especializada no tema e referência no país europeu, Emmanuelle Piquet avalia que é preciso fortalecer as vítimas.
Em janeiro, Lucas, 13, tirou a própria vida após meses de agressões de colegas em sua escola, no leste francês. Em abril, foi Thibault, 10, na região do Loire. Em maio, Lindsay, 13, no norte.
Essas e outras mortes trágicas de crianças e adolescentes na França foram associadas a situações de violência física, verbal ou psicológica perpetradas por colegas no ambiente escolar e em redes sociais.
Para além da comoção e do alerta para pais e professores, os casos colocaram em xeque a série de medidas já adotadas no país europeu para combater o bullying escolar e fizeram a primeira-ministra Élisabeth Borne anunciar que o tema é "prioridade absoluta".
Em 2020, foi lançado em caráter experimental o plano Phare —programa de luta contra o assédio nas escolas. Em setembro passado, ele foi estendido a todos os estabelecimentos do ensino básico da França. Ou seja: já havia sido implementado nas escolas de Lucas, Thibault e Lindsay e não foi capaz de evitar o desfecho terrível.
O programa é baseado em oito pilares, que incluem monitorar o clima escolar, formar uma comunidade protetora e envolver pais e parceiros. Escolas se comprometem a organizar 10 horas anuais de sensibilização para os alunos e a formar uma equipe para aplicar o protocolo.
Em 2021, ano em que o país contabilizou ao menos 18 suicídios associados a violência entre pares nas escolas, a França criou dois números de telefone para acolher vítimas e receber denúncias. E, em 2022, tornou o bullying escolar um delito passível de pena de prisão de até dez anos no caso de suicídio ou tentativa de suicídio da vítima.
No início de junho, quatro adolescentes apontados como os algozes de Lucas, responsáveis por seguidas injúrias homofóbicas contra o garoto, foram considerados culpados de bullying escolar, mas não por seu suicídio. Eles podem pegar até 18 meses de prisão.
O que foi comemorado como uma vitória da luta contra o bullying, no entanto, não animou a psicóloga francesa Emmanuelle Piquet, autora de mais de dez livros sobre o tema. Especialista em bullying escolar e fundadora do centro Chagrin Scolaire (sofrimento escolar), em Macôn, ela avalia que estratégias punitivistas estão fadadas ao fracasso.
"O que estamos fazendo evidentemente não está dando certo, e a punição está fazendo crianças e jovens criarem outros tipos de bullying que não são pegos pelos radares dos adultos", aponta ela à Folha.
Piquet é objeto de documentário recém-lançado no canal France 2, "Harcèlement scolaire: les indiens contra-attaquent" (bullying escolar: os índios contra-atacam). Nele, ela aparece interagindo com pacientes nos quais aplica um modelo terapêutico centrado no desenvolvimento de competências de resistência, que chama de "flechas" para contra-atacar o assédio na escola.
Por que é tão difícil para pais e educadores lidarem com o bullying escolar? Por vários motivos, entre eles o fato de os pais de hoje e da geração anterior acharem extremamente importante ter filhos capazes de se relacionar, de fazer parte de grupos sociais, de se comunicar de forma eficaz. Isso se tornou uma preocupação típica de matéria escolar, tão importante quanto a matemática ou o inglês.
Também porque o bullying passou a ser extremamente analisado. E isso teve efeitos benéficos, pois permitiu que olhássemos para o assunto mais de perto e com mais respeito. Houve um tempo em que bullying era tratado como algo menor. Mas também teve um efeito perverso que foi o bullying se tornar um problema de adultos, o que agravou a tendência de crianças e adolescentes não conversarem com adultos sobre o tema. Há uma espécie de lei do silêncio.
O que fazer diante desse silêncio? Um estudo recente na França apontou que 62% das crianças e adolescentes acreditavam que os adultos não poderiam ajudá-las numa situação de bullying. Ou seja: apenas 38% acreditavam que um adulto seria de ajuda. É muito pouco.
Crianças e adolescentes não querem falar com adultos sobre isso, principalmente porque têm medo do que farão. E, como os adultos muitas vezes pioram a situação, as crianças têm razão com esse temor.
Muitas crianças e jovens querem proteger seus pais, pois eles sabem que a dor parental de saber que o filho não é amado, é isolado e maltratado, é uma dor infinita. Por isso que é tão difícil lidar com o bullying: não temos a informação de que ele ocorre.
O que em geral ocorre quando se obtém essa informação? Essa é uma questão, do meu ponto de vista, com um problema de foco. Quando há a informação de que ocorre uma situação de bullying, a escola gasta seu tempo com as crianças que estão assediando, para que mudem, seja por responsabilização, seja por sanções.
Qual é o problema em focar o assediador? Quando os agressores praticam bullying, têm uma sensação de prazer infinito, narcisista, de poder, que está ligado à percepção do impacto que causam em uma criança, que sofre, e em um grupo de crianças ao seu redor, que ri.
Assediadores também dizem a si mesmos, com razão, que, se eles assediarem, não serão assediados. É cínico, é imoral, mas é verdade. Logo, têm dois motivos para não ter interesse em ver o assédio cessar.
Quem tem interesse em acabar com o assédio é o assediado e sua família. Enquanto a instituição trabalhar apenas com os assediadores, nada mudará.
O que ampara esse foco? É muito politicamente correto dar sermões ou punir os assediadores. Todo mundo diz que eles são ruins. Sabemos que as sanções são ineficazes, mas continuamos porque é mais fácil e porque custa menos dinheiro. Por outro lado, ter duas pessoas de referência por escola que poderiam ajudar as crianças a se afastarem desse assédio é algo que custa dinheiro. São dez dias de treinamento mais supervisão. Não é algo que se possa improvisar.
Os assediadores de Lucas, que se suicidou depois de meses sofrendo agressões verbais homofóbicas, foram condenado. O que acha desse tipo de medida? Quando a França aprovou o decreto que tornou o assédio nas escolas um delito, disse a mim mesma: será catastrófico. Surgem novas formas de assédio, como isolar a criança, não convidá-la para aniversários, não incluí-la em trabalhos em grupo. É uma boa maneira de fazer alguém sofrer sem ser punido pelos adultos. É uma medida que promove novos assédios que passarão despercebidos.
No caso de Lindsay, o principal assediador dela já havia sido excluído em definitivo da escola, mas o assédio continuou por meio de outros alunos. E a vítima não teve a oportunidade de aprender a lidar com esse tipo de comportamento problemático: resistir e saber como mudar o desconforto de lugar.
A família de Lindsay diz ter procurado ajuda em toda parte. Como explicar essa sequência de falhas? Foi seguido o protocolo que o Ministério da Educação proporcionou: trabalhar com os assediadores. E isso prova de uma forma absolutamente dramática que o programa nacional não só parece não dar resultados como, em alguns casos, é agravante.
Como avalia a reação do governo francês? Dominados pela emoção, criamos soluções maniqueístas. Depois do caso Lindsay, o ministro da Educação [Pap Ndiaye] ordenou 1 hora de conscientização nas escolas de todo o país —algo extremamente desrespeitoso com as equipes educacionais porque é só isso o que eles têm feito. Continuamos a fazer algo que não funciona.
E o que poderia funcionar para combater bullying nas escolas? Pegarmos, inicialmente, 20% das escolas mais difíceis e treinarmos duas pessoas por escola, com seriedade, para que se tornem referências para as crianças que estão sofrendo bullying, as apoiem e cuidem delas, ajudem elas a se defenderem.
Acha que as redes sociais agravaram o bullying escolar? Isso ainda é uma construção dos adultos. O assédio começa no playground, na cantina, no ônibus, e só então terá repercussão nas redes, às vezes raramente.
A mídia, pela qual eu tenho imenso respeito, teve um erro nessa questão. Fala de violência online, que existe. Mas isso é comparável ao assédio de rua, que é diferente do tipo de violência que vemos na escola, onde uma criança, geralmente sozinha, é atacada de maneira persistente pelo mesmo grupo.
As redes sociais são um culpado muito conveniente para os órgãos de educação nacional, que afirmam ter uma solução mágica e, quando essa solução não funciona, podem culpá-las.