Uma vez por semana, a estudante Larissa Costa de Oliveira, 14, vai até a sala de informática para, entre outras coisas, ter aulas de programação. É um dos dias na escola de que ela mais gosta. "Os professores poderiam tentar outras formas de ensinar, como usar a internet", diz
Larissa, que estuda na Escola Municipal Olegário Mariano, no Grajaú (zona sul), não é exceção na rede paulistana: para seis em cada dez alunos do ensino fundamental municipal, a escola deve usar internet e tecnologia, propor atividades culturais, esportivas e em grupo e abrir espaço para discussões.
Projetos de leitura e reforço escolar, entretanto, não têm o mesmo apelo. Só 29% dos estudantes gostam de participar de projetos de leitura e 20%, de reforço. O cenário é resultado de uma pesquisa inédita feita pela Secretaria Municipal de Educação com 43,6 mil alunos – cerca de 10% do total.
O levantamento faz parte do processo de reformulação do currículo do ensino fundamental da rede, que deve entrar em vigor no ano que vem. A primeira versão, já pronta, seguirá para consulta aos educadores. Segundo a pasta, da gestão João Doria (PSDB), os resultados vão impactar diretamente a atualização das diretrizes curriculares e materiais de apoio a professores.
"Vamos alinhar nosso currículo à Base Nacional Comum Curricular e, a partir de um processo participativo de escuta, entender o perfil de estudante que a rede quer formar", diz o titular da secretaria, Alexandre Schneider.
O questionário, feito por meio de um aplicativo on-line, continha questões acerca de como os alunos entendem que aprendem mais, quais projetos mais gostam e como deve ser a escola. As respostas indicam uma demanda por mais participação e uma boa convivência na escola, mas sobretudo por atividades práticas.
Para a jovem Larissa, que cursa o 8º ano e participa de projetos de libras, ginástica olímpica e rádio, a explicação é simples: "A gente se sente mais incentivado ao fazer parte de alguma coisa, e não ficar só assistindo aula."
O desafio é colocar em ação o que os alunos falaram na hora de criar objetivos e propostas didáticas. O diretor do núcleo técnico do currículo da secretaria, Wagner Palanch, afirma que os novos materiais envolvem os conteúdos escolares tradicionais e também aspectos não cognitivos.
PESQUISA
A pesquisa a seguir, foi feita pela Secretaria Municipal de Educação por meio de um aplicativo, com a participação de 43,6 mil alunos da rede (10% do total) entre 8 e 18 anos de idade
Objetivo A ação faz parte do processo de elaboração de um novo currículo da rede municipal; a secretaria quer complementar os materiais de apoio ao professor considerando o interesse dos alunos
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de São Paulo
O QUE OS ALUNOS QUEREM
"O aluno mostra que quer ser responsável, organizado, ser ouvido e participar de discussões. Isso ajuda também a montar as matrizes de saberes [os conteúdos]", diz. "A gente acredita que essas coisas não são dissociadas." O fato de 42% dos estudantes apontarem que gostam de feira de ciências, explica Palanch, ajuda na composição de uma proposta de ensino da temática mais prática e baseada em projetos.
Ao ver 59% defendendo que aprendem melhor em grupo, a pasta traduziu isso em competências, como pensamento crítico, criatividade e resolução de problemas. Depois, isso norteou a definição de objetivos de aprendizagem, por exemplo, em leitura, como propor situações de troca de impressões sobre livros ou jornais.
Segundo Schneider, o menor engajamento em torno da leitura serviu para repensar a abordagem do tema. "A própria sala de leitura faz parte do currículo com projetos, além de prevermos a leitura em todas as áreas." Sobre o reforço, o secretário ressalta que a pasta vai reconfigurar o modelo. "Vamos fazer com que o reforço seja mais focado nas dificuldades específicas, sem ser algo permanente ao longo do ano."
TECNOLOGIA
Tecnologia e até robótica aparecem com destaque: 65% dizem que aprendem mais com internet, e 59% apontam a importância do acesso ao laboratório de informática. Todas as escolas municipais de ensino fundamental possuem esses espaços e os usam em aulas. Para 2018, a prefeitura está construindo também um currículo inédito de tecnologia.
Anna Penido, do Instituto Inspirare, diz que a educação contemporânea exige mais do que uma discussão de conteúdos e que ouvir os alunos colabora para essa construção.
"Quando a gente fala de currículo, estamos falando sobre 'o que' e sobre o 'como'. O currículo é as duas coisas, principalmente quando fala de desenvolvimento integral do aluno", afirma ela, que no início do ano proferiu palestra que abriu a discussão curricular com educadores.
"Quando os alunos falam que acham legal participar de projetos culturais, de informática, comunicação, eles mostram que querem aprender dessa maneira, mas também que querem aprender essas coisas", diz. O levantamento ouviu alunos entre 8 e 18 anos da cidade de São Paulo. Mais de 70% deles têm entre 11 e 13 anos.
MATERIAIS DE APOIO
O livro didático é o principal material de apoio para 86% dos professores da rede municipal de São Paulo. Orientações curriculares da prefeitura aparecem na sequência, com 82%
Os dados são de uma pesquisa feita pela secretaria de Educação, durante encontros com educadores para debater a atualização curricular da rede. Participaram 16 mil docentes, organizados em 4.000 grupos temáticos.
No processo, a pasta buscou entender as necessidades desses profissionais para preparar as aulas. Para 76%, é fundamental que haja sugestões de sequências didáticas (conjunto de atividades planejadas para atingir um objetivo de aprendizagem).
Professora de educação física, Elma Lemos Teixeira, 47, participou de ao menos dez encontros. "Lemos todos os documentos para produzir os objetivos", diz ela, que exemplifica alguns avanços.
"Agora os esportes contam com uma descrição mais detalhada, e práticas de aventura também são uma novidade que veio da Base Nacional Comum Curricular."
A secretaria de Educação trabalha desde março na atualização do currículo para, entre outras coisas, se adequar à base. O documento, sob responsabilidade do Ministério da Educação, prevê o que os alunos devem aprender a cada ano. Como o nome sugere, a base tem o papel de municiar as redes na construção dos seus currículos.
O material de apoio aos professores representa um passo adiante a ela, diz Wagner Palanch, do núcleo de currículo da pasta municipal. Segundo ele, o currículo de SP terá uma atenção especial para a realidade da capital.
"O currículo orienta o professor a trabalhar com os rios da cidade, mas também com os rios da região da escola", exemplifica. Questões de identidade de gênero, que foram excluídas da versão final da base nacional, estarão no currículo da rede paulistana, diz Palanch.
O texto definitivo da base ainda não está pronto – o Conselho Nacional de Educação está realizando audiências públicas. Segundo o secretário de Educação, Alexandre Schneider, possíveis mudanças não vão comprometer o que está sendo feito.
"Não saímos do zero. Contemplamos a base, o que existe na rede e referências internacionais", afirma. "Esse acúmulo nos dá tranquilidade de que tudo está em um tempo adequado, e o processo prevê atualizações."
O grande desafio, diz o secretário, será implementar. Essa fase exigirá atenção especial na formação continuada dos professores. Não há, por enquanto, orçamento para um programa. "Mas a própria forma com que estamos fazendo não deixa de ser uma formação", afirma.
Fonte: FOLHA DE S. PAULO