Que futuro está sendo desenhado e que lições ficarão de legado para as próximas gerações? Essas são questões que o SINESP aborda em entrevista com Ana Maria Rossi, doutora em psicologia clínica e presidente da Isma-BR (International Stress Management Association no Brasil).

São muitos os questionamentos trazidos pela consciência de que os Gestores Educacionais são levados a assumir o protagonismo na construção do cenário da pós-pandemia nas escolas. E não dá para esquecer que a categoria já vem sendo impactada negativamente há tempos com péssimas condições de trabalho.

Sofrimento psíquico, trabalho sobre pressão, falta de planejamento, apoio e informações dos órgãos superiores, além de suscetibilidade à violência, são apenas alguns dos pontos críticos apontados por 90% dos gestores escolares que participaram da pesquisa Retrato da Rede, realizada anualmente pelo SINESP. As condições de trabalho já causavam adoecimento muito antes da pandemia, com alto índice de queixas de estresse.

E agora se faz necessário encarar a situação, com todas suas dificuldades, e de dar exemplo de superação para que os mais jovens possam enfrentar o mundo pós-pandemia. A missão é um desafio enorme, e para pensar nele a Drª Ana Maria aponta caminhos possíveis. Ela lembra que a situação afeta a todos e pode comprometer profundamente a saúde mental dos estudantes, além de influir na confiança que terão no futuro. Indica que, agora, o cuidado com a saúde mental deve ser redobrado e propõe algumas técnicas e iniciativas que podem ajudar nesta empreitada.

 

>>> Leia a seguir a entrevista completa com Ana Maria Rossi, doutora em psicologia clínica e presidente da Isma-BR (International Stress Management Association no Brasil)

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SINESP - Vivemos uma pandemia, momento inusitado na história recente, em que estão presentes medo, incertezas, insegurança. Como manter o equilíbrio em momentos assim?

Drª Ana Maria Rossi – Essas questões estão presentes para todos, infelizmente. Sendo profissional ativo no mercado de trabalho ou não, isso está passando pela cabeça da maior parte das pessoas: Afinal, como lidar com tantas incertezas na vida do trabalho, nas finanças, na vida social? Isso está criando pânico. Não se vê uma luz no fim do túnel, uma data para tudo terminar, cada dia se sabe uma coisa nova sobre o vírus e sua propagação. Isso para as pessoas que são ansiosas dificulta bastante. Não temos uma receita pronta. O que se pode fazer em relação à pandemia é focar especificamente naquilo que se pode controlar. Eu não tenho controle se vou ser contaminado ou ter problema de saúde, o que posso fazer é me proteger, seguindo orientações e medidas preventivas, como lavar as mãos, evitar aglomeração, ambientes fechados...

 

SINESP - O Sinesp promove anualmente a pesquisa Retrato da Rede entre seus filiados, Gestores Educacionais, em que 90% dos respondentes afirmam que suas condições de trabalho causam adoecimento. Há alto índice de queixas de estresse. Como lidar com isso ao construir esse futuro pós-pandemia?

Drª Ana Maria Rossi Pelas nossas pesquisas, o estresse ocupacional afeta 69% dos trabalhadores em geral. 31% do estresse afeta outras áreas da vida das pessoas. Como as pessoas podem lidar com essa situação? Em primeiro lugar, focar na prevenção, tendo consciência dos seus limites. Não permita que esses limites sejam ultrapassados por períodos frequentes ou prolongados. Se houver uma situação estressante pontual, uma avaliação na escola, ou uma auditoria, por exemplo, assim que essa situação estiver resolvida, a pessoa deve procurar recuperar o desgaste que teve. Em segundo lugar, é preciso ter uma qualidade de vida em que não se sobrecarregue, em que aprenda a dizer “não”, preservando seus limites, ter uma rotina de sono reparador. Isso requer disciplina. Procure não fazer trabalho intelectual até uma hora antes de dormir, fique distante do celular e da televisão e evite a claridade dessas tecnologias, pois tudo isso pode afetar o sono.

 

SINESP – Atividades físicas podem ajudar?

Drª Ana Maria Rossi A atividade física também é importante na prevenção de estresse. Nesse momento de reclusão, em que estamos limitados, podemos incorporá-la ao dia a dia ao subir escadas, caminhar pelo ambiente de trabalho ao encontro das pessoas no lugar de usar o interfone, enfim, movimentar-se para evitar dores musculares provocadas pelo sedentarismo. Ansiedade, aborrecimento, mudança de rotina requerem também um cuidado maior com a alimentação, já que a tendência é de as pessoas começarem a abusar de petiscos – altamente calóricos e pouco nutritivos – e se esquecerem de comer de garfo e faca. Restringir gorduras, cafeína, sal e açúcar é muito importante.

 

SINESP – Técnicas de relaxamento são aliadas no combate ao estresse? Cite algumas, por favor.

Drª Ana Maria Rossi A prática de relaxamento no dia a dia é muito bem vinda. Minha sugestão é que as pessoas procurem focar na prática da respiração abdominal, no lugar da toráxica ou diafragmática, que são ineficientes. Será de muita valia nessa hora ter pessoas com quem a pessoa possa conversar sobre amenidades, falar de suas esperanças e projetos.

 

SINESP – Como o empregador pode contribuir?

Drª Ana Maria Rossi O ideal é que procure promover o autocuidado na prevenção e na promoção da saúde. Para preservar a saúde mental dos colaboradores, o empregador deverá em primeiro lugar desenvolver uma cultura de transparência e compartilhamento. Na maioria das vezes, quando a pessoa começa a divagar, quando não tem respostas às suas perguntas e às suas ansiedades, começa a funcionar a “rádio corredor”. Numa época de fake news, isso termina tendo um efeito cascata. Mesmo não havendo resposta imediata para problemas, deve haver uma tentativa clara de avaliar a situação e resolver as questões. Deve haver uma comunicação clara e efetiva com as pessoas, para que elas não se sintam anônimas ou que ninguém está se importando com elas. Se não há respostas, que as pessoas sintam que alguém está tentando ajudá-las.

 

SINESP – Quais medidas práticas podem ser adotadas?

Drª Ana Maria Rossi Seria importante desenvolver um kit de ferramentas que sejam relevantes para esses profissionais. Promover webinários sobre questões relacionadas ao autocontrole, estilo de vida, qualidade do sono, alimentação, enfim, para que a pessoa possa desenvolver suas habilidades para saber lidar melhor com pressões e demandas. Fornecer recursos para as pessoas em termos de orientação, como contratar profissional na área da saúde mental, ou até mesmo um coach para ajudar no planejamento da vida profissional.

 

SINESP - O isolamento social pode trazer benefícios?

Drª Ana Maria Rossi Vai depender muito da pessoa. Se for extremamente extrovertida, que busca sua energia no contato com os outros, esse momento de isolamento pode ser um grande desafio. Mas nessa época de tanta tecnologia, as pessoas podem manter contato, embora sem o contato físico. É muito importante esse contato virtual para nos sentirmos aceitos, queridos, amados, principalmente quem convive com idosos ou pessoas na área de risco. Temos que buscar compensar o isolamento, lembrando que ele é físico, mas não de comunicação. Já as mais introvertidas, introspectivas estão se beneficiando, usando esse momento para o seu crescimento pessoal, lendo mais, pesquisando, enfim, buscando em si recursos para lidar com essas restrições. Existe esse paradoxo, alguns sofrendo com o isolamento e outros adorando.

 

SINESP - Como você vê o mundo pós-pandemia? Haverá mudanças?

Drª Ana Maria Rossi Muito se questiona sobre isso,mas pouco se sabe o que vai acontecer. Num momento em que estávamos falando em fazer turismo na Lua, em mandar uma nave para Marte, estamos enfrentando um desafio imenso para controlar um vírus. E não estamos em nenhum outro planeta, estamos no nosso velho e conhecido planeta Terra. É uma lição de humildade para a humanidade! Uma cliente lembrou que numa hora em que nos preparávamos para desenvolver carros voadores, teleguiados, estamos aprendendo a lavar as mãos. Talvez uma das maiores lições que pessoalmente estou aprendendo é de humildade. Pensávamos que podíamos tudo! O vírus que enfrentamos – se a informação for correta – tem o tamanho de um milésimo de um fio de cabelo. Não consigo visualizar isso! Tomara que esse choque de humildade não acabe quando o vírus for controlado, mas que nos sirva de lição. Tudo tem muito a ver com questões relacionadas ao meio ambiente que temos desrespeitado. Também vai mudar a nossa maneira de lidar com o trabalho. O home office tende a evoluir e se expandir mais. Hoje os desafios são imensos para a realização do trabalho em casa, nossos equipamentos não são tão rápidos quanto aos do local de trabalho, a internet é mais lenta, tudo isso terá que ser visto.

 

SINESP - Como será que tudo isso afetará as relações interpessoais, na sua opinião?

Drª Ana Maria Rossi Vamos valorizar mais o contato físico, que para nós era tão normal. Agora começamos a reavaliar como esse contato é importante para nós. Por outro lado, não estávamos acostumados a conviver tão intensamente com as pessoas à nossa volta. Por essa razão enfrentamos num momento em que separações e violência doméstica cresceram dramaticamente, porque as pessoas já nem se conheciam mais. Não estávamos preparados para esse isolamento e essa convivência impositiva.

 

SINESP - O que é importante agora na Educação de crianças e jovens para formar adultos mentalmente saudáveis?

Drª Ana Maria Rossi O exemplo. Crianças e adolescentes não terão oportunidade de serem mentalmente saudáveis se não tiverem modelos, exemplos que possam seguir. Os adultos da vida dessas crianças e jovens, sejam os pais, tutores, mestres, professores, quando adotam o “faça o que eu digo e não faça o que eu faço”, geram um conflito muito grande e uma rebeldia. Nesse momento de pandemia é muito importante também que os adultos exponham a essas crianças e jovens novos conceitos de solidariedade, de humildade, fazendo com que eles tenham uma visão mais positiva e saudável quando sairmos disso. Se nos limitarmos a reclamar e maldizer o que está acontecendo estaremos prejudicando essas pessoas. É difícil para pais e professores lidarem com momentos difíceis como esse, em que são confrontados com tantas dúvidas e incertezas, sem respostas definitivas. Isso faz com que as pessoas que já são angustiadas e ansiosas testem os seus limites. Isso infelizmente respinga nas crianças e adolescentes, que são mais vulneráveis.

 

SINESP - O que é possível fazer em relação a isso agora?

Drª Ana Maria Rossi Na educação, o grande desafio será vencer as desigualdades de oportunidades, que ficou evidente pelo acesso desigual à internet e à tecnologia de acordo com as classes sociais dos educandos. O fato de crianças e adolescentes estarem tendo mais tempo em casa deve servir de oportunidade para incentivar mais a leitura, a escrita. Uma das excelentes formas de autocontrole é a escrita. Então, escrever um diário, conversar mais, falar sobre os seus sentimentos, vai ser extremamente importante.

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