A maioria da população sabe que o Brasil é um dos países mais desiguais do planeta, na distribuição de renda e em seus reflexos econômicos e sociais. Mas poucos dão conta do que isso significa de fato e de que a forte desigualdade tributária está na raiz do problema maior.
O Sistema tributário brasileiro taxa fortemente os salários, os trabalhadores e os mais pobres, enquanto isenta e desonera setores e lucros empresariais e rendimentos do capital. É regressivo, quando deveria ser progressivo.
A ideia de que há taxação exagerada sobre a atividade produtiva no país é difundida pela mídia empresarial, por políticos e governantes como um empecilho ao desenvolvimento. Ouve-se até candidato chamar os empresários de “coitadinhos”.
Mas a verdade é que o sistema está montado para favorecer quem tem mais, com um sistema que arrecada fortemente na base da população e favorece o topo da pirâmide na distribuição.
A necessidade de uma reforma tributária é consenso nacional. Mas qual reforma?
A reforma neoliberal
O governo federal, pelas mãos do ministro da Economia Paulo Guedes, entregou recentemente ao Congresso Nacional sua proposta de reforma tributária. Ela prevê a substituição do PIS e da Cofins, duas contribuições federais, pela CBS (Contribuição de Bens e Serviços), com alíquota de 12% para empresas em geral e de 5,9% para instituições financeiras.
A proposta vai no sentido da simplificação do sistema tributário, com o suposto objetivo de torná-lo mais eficiente como indutor do crescimento econômico. Atende parcialmente aos anseios de empresários e analistas econômicos neoliberais, que a estão taxando de "reforminha".
O ministro e sua equipe teriam encaminhado uma parte da reforma que querem, para complementarem no futuro. Seria uma forma de lidar com as dificuldades políticas atuais e, para muitos, de tentar retomar o protagonismo.
Mas os analistas da mídia empresarial se apressaram a mostrar que as demais fatias da reforma imaginada pelo governo precisam ser expostas, não apenas especuladas. E que a proposta de Guedes traz o risco de atropelar projetos mais amplos já com algum tempo de tramitação no Congresso.
É o caso das PECs 45, que corre na Câmara dos Deputados, e 110, que é discutida no Senado Federal, e tratam do nó tributário nacional de modo mais amplo. Há ainda duas emendas apresentados aos projetos.
No caso do projeto de Guedes, PIS e Cofins serão substituídos pela CBS, enquanto na PEC 45 e na PEC 110, que são mais amplas, cinco tributos - IPI, ICMS e ISS, além de PIS e Cofins - deveriam ser substituídos pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).
Nessas propostas, inclusive na parcial de Guedes, o mote se resume a simplificação e eficiência. Não lidam com a carga efetiva, com as desonerações exageradas e absurdas de vários setores econômicos, com a regressividade do sistema tributários nacional, com imposto sobre heranças, grandes fortunas e lucros empresariais, nem toca na correção da alíquota do Imposto de Renda.
Veja AQUI análise gráfica da Câmara sobre a PEC 45/2019.
A reforma dos trabalhadores
O sistema tributário brasileiro aprofunda as desigualdades no país. O Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) é um exemplo cabal disso.
Nos anos 1980, ele taxava mais progressivamente as altas rendas, com alíquotas de até 45%. Hoje, tem uma alíquota máxima de 27,5% e não incide sobre lucros e dividendos recebidos por pessoas físicas. Tornou-se basicamente um imposto sobre salários.
Para completar a oneração desproporcional dos mais pobres, o país pratica a hipertributação sobre o consumo, que é basicamente a transferências de impostos sobre industrialização e comércio ao consumidor final, com forte incidência sobre os preços dos produtos.
O sistema carrega o defeito da regressividade de seus componentes: tributos diretos e indiretos. A forma saudável de construir o arcabouço tributário, reconhecida internacionalmente, é a progressividade.
Esse tema consta da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) subscrita pela Fenafisco, Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital. Entregue ao STF, ela questiona a forma como são cobrados e de quem são cobrados os impostos no Brasil e propõe um olhar sobre o sistema tributário.
A Fenafisco propõe, também, junto com a Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil) “mudar o sistema que pesa sobre o consumo dos mais pobres, desonera a renda dos mais ricos e concentra as riquezas na União, em detrimento de estados e municípios”.
A ideia compõe o documento “Tributar os super-ricos para reconstruir o país”, construído sob a coordenação técnica do professor de Economia da Unicamp, Eduardo Fagnani, com oito propostas de leis para modificar o sistema tributário nacional que isentam os mais pobres e as pequenas empresas, fortalecem Estados e Municípios e aumentam a arrecadação sem aumentar impostos para 99,7% da população, com uma distribuição equilibrada do bolo tributário.
Veja o Documento Síntese da Proposta: