Sob o tema “Meio ambiente e o futuro da humanidade”, o escritor indígena de 52 livros para crianças, jovens e educadores, professor de filosofia com licenciatura em história e psicologia, Dr. em Educação e Pós-Dr. em Linguística trouxe conceitos culturais de sua etnia que propõem revisão da cultura ocidental capitalista em pérolas como “se o momento atual não fosse bom, não se chamaria presente”.

Daniel, que também é Diretor Presidente do Instituto UKA, Casa dos Saberes Ancestrais e Comendador da Ordem do Mérito Cultural da Presidência da República desde 2008, teve a companhia brilhante na live formativa do SINESP de 06 de outubro da dirigente do Sindicato e Diretora de EMEF Letícia Grisólio Dias.

Ela trouxe a preocupação do SINESP com o tema meio ambiente, evidente na escolha de “Riqueza da Diversidade” como um dos eixos colocados em discussão anualmente com os Gestores Educacionais nos Congressos da categoria, quando são conformados princípios que valorizam “outras vozes, outros olhares, outras maneiras de sermos humanos, em busca de uma consciência cidadã que vê a diversidade como centro da identidade nacional”.

E na realização de atividades e formações, como o Congresso de 2005 com o tema “Ecopedagogia: educação com consciência planetária, compartilhando significados do cotidiano”, em que o SINESP expôs seu compromisso com a construção de uma educação com consciência planetária.

Cultura indígena X olhar do colonizador

Daniel expôs a cultura indígena com maestria, simplicidade e clareza. Lembrou que a imagem constituída do indígena é romantizada como do bom selvagem, que precisa ser deixado na floresta. A literatura romântica do século XIX estabeleceu esse padrão, que congelou no ideário nacional e ainda é reproduzido na cultura escolar.

Para ele esse estereótipo deve ser questionado, pois implica num não olhar para a cultura indígena na origem da identidade nacional. Rompe com a história ancestral brasileira e faz prevalecer a história contada sob a ótica dos que se consideram vencedores, do colonizador.

Como narrador, o colonizador se coloca como conquistador, herói e desqualifica o outro. Impõe uma visão de tempo baseado no futuro, como um tempo almejado por todos. Um tempo ocidental da acumulação de riqueza, de produção, consumo, disputa, meritocracia, que leva a viver em uma sociedade em que todos são adversários em busca de um topo num futuro inalcançável.

A narrativa foi tão forte e impositiva que moldou o pensamento do brasileiro com o olhar do colonizador. E com ela vem meias verdades como a ideia de democracia racial, de que no brasil não tem racismo, de que os conquistadores fizeram bem ao colonizar o Brasil. Um pensamento colonialista, de aceitação da posição de colonizado.

Dele advém um egoísmo e um tempo quadrado, na visão de Daniel. Os povos originários, segundo ele, trazem uma leitura diferente, em tempos circulares, em um tempo da natureza, da circularidade da produção para o necessário, e não para a sobra.

Segundo Daniel, o povo indígena estabelece seu sentido de humanidade dentro da relação que tem com o próprio ambiente. Não com o desejo de dominar nem com a visão de superioridade. Se vê como parte desse ambiente e se incorpora à lógica e à dinâmica da natureza. 

Por isso a ideia do futuro da humanidade não é cara aos indígenas, que são seres de um presente que os coloca em movimento, em comunidade e parceria com os outros seres e possibilita equilíbrio. É incomum, devido a isso, ver gente passando fome, crianças e idosos abandonados entre eles.

Essa leitura propõe uma releitura necessária para o pensamento ocidental permitir perceber a constante mudança inerente à vida no planeta, o ser humano como parte da natureza, não senhor dela, e as consequências da convivência predatória com o meio ambiente.

Indígena = originário índio

Daniel contextualiza a necessidade de reescrita da forma como esses povos são denominados na narrativa da historiografia brasileira, o que está na raiz da questão indígena contemporânea, com sofrimento e maus tratos pelo atual governo, agravados com e pandemia.

Se sobre o indígena a visão é romantizada, sobre o índio é ideologizada e padronizada numa imagem congelada que até a escola reproduz.

No 19 de abril comemora-se o dia do índio sem questionar que índio é esse, real ou imaginário. Isso não ajuda as crianças a entenderem quem é indígena e o índio, a separar a visão romantizada da ideologizada, estereotipada e padronizada e, com isso, entender a ancestralidade nacional, a cultura, o papel e os diretos dos povos originários.

Tal visão reforça o ideário de que índio é preguiçoso, não trabalha, tem terra e não sabe o que fazer com ela. As pessoas são induzidas a aceitar essa visão ideologizada e toda ordem de violência, discriminação e restrição de direitos aos povos originários, como se vê com tanta força hoje no Brasil.

Currículo da Cidade

Ao final, Letícia lembrou a colaboração de Daniel na construção do documento Currículo da Cidade Povos Indígenas: orientações pedagógicas. Para ela, um documento extremamente importante de ser lido e refletido dentro das unidades educacionais.

Em uma passagem, Daniel diz que "quando era criança não gostava de ser índio. Sentia vergonha de sê-lo quando alguém dizia que o índio era preguiçoso, selvagem, sujo, covarde, canibal."

Daniel explorou essa questão à luz do seu livro que mais gosta, em que traz a história e a importância de seu avô Apolinário em sua educação e na construção de sua identidade indígena.

Veja o que ele disse no vídeo da brilhante aula, palestra e diálogo com Daniel Munduruku no SINESP Formações.

 

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