A imprensa do SINESP entrevistou o Prof. Dr. Luiz Carlos de Freitas, Professor aposentado da Faculdade de Educação da UNICAMP.

Por e-mail, ele respondeu questões sobre a iniciativa unilateral da SME de disponibilizar conteúdo online e enviar livros para os estudantes da Rede Municipal, e propôs uma saída para fechar o ano letivo sem prejuízo às crianças.

Para ele, a questão não está no uso de tecnologia. Ela é bem-vinda. O que não serve é a concepção de educação que está embutida na Educação à Distância como tem sido praticada atualmente.

A incorporação de tecnologia, segundo o professor, deve se dar num novo modelo que pense a formação dos estudantes em conexão com a vida e não em uma “bolha virtual”. A tecnologia tem um lugar e pode potencializar (e não substituir) a atuação do magistério.

Freitas defende que o que está sendo ofertado aos alunos nesse período não pode ser contabilizado como horas letivas regulares. Se isso ocorrer, fica sujeito a avaliação, o que aprofundaria a desigualdade educacional.

Ele lembra que só os educadores podem personalizar a educação das crianças, e que o material enviado, que dependem do auxílio dos pais, não é capaz de personalizar.

Como solução, defende “ciclar” os anos 2020 e 2021 num “ciclo de estudos único de 1600 horas letivas que serão trabalhadas pelas redes de acordo com sua realidade específica e o impacto causado localmente pela pandemia”.

 

Imprensa SINESP: Como o Sr. Analisa a iniciativa da prefeitura de SP, de criar conteúdo online e enviar livros às residências dos alunos?

Luiz Carlos de Freitas: Melhor que nada é. Mas só isso. Todos fomos surpreendidos pela pandemia e compreende-se que o poder público queira fazer algo.

 

Imprensa SINESP: Mas esse modelo é viável para o ensino público? O que ele pode indicar?

LCF: O que está sendo feito neste momento não tem nada a ver com Educação a Distância, a não ser que se queira utilizar deste momento para fazer uma propaganda oportunista desta forma de ensino.

Em relação ao Ensino à Distância, é preciso anteciparmos que a questão não está no uso de tecnologia.

A tecnologia é bem-vinda. O que não serve é a concepção de educação que está embutida na Educação à Distância como tem sido praticada atualmente, inclusive em plataformas mais elaboradas, pois apenas “moderniza” (por adição de tecnologia) uma concepção de educação atrasada, baseada na “transmissão de informações”.

Precisamos separar, portanto, a educação à distância como está sendo praticada, da própria tecnologia e apontar para a superação da concepção de educação atual.

Depois disso, podemos pensar como a tecnologia pode ser incorporada em um novo projeto educacional que vise ir além da aquisição de informações e de treino para passar em testes.

 

Imprensa SINESP: Como seria um modelo educacional que incorporaria a tecnologia?

LCF: Um novo modelo educacional deve pensar a formação dos estudantes em conexão com a vida e não em uma “bolha virtual”.

As finalidades da educação devem ser repensadas a partir da necessidade de se introduzir a juventude na vida, no mundo real de forma direta, refletindo sobre este e sobre seus problemas de maneira crítica.

Faz parte disso, o desenvolvimento das relações interpessoais com seus colegas de turma; o desenvolvimento da capacidade para o trabalho coletivo em grupos e para auto-organização pessoal, construindo igualmente sua individualidade; apontando para o domínio e inserção nas culturas, entre outros aspectos.

Neste projeto, a tecnologia tem um lugar e pode potencializar (e não substituir) a atuação do magistério, liberando-o de algumas atividades para que possa atuar mais na atenção aos estudantes.

Ela pode ainda ser usada para promover grupos de estudos interescolares, trocar informações entre estudantes de pontos distantes do pais, articular suas formas de batalhar pelas melhorias da educação, estabelecer contato com as entidades de sua localidade, de seu bairro, estudando seus problemas, entendendo e contribuindo com soluções, entre outras. Tudo isso associado aos conteúdos que estão sendo desenvolvidos.

 

Imprensa SINESP: O conteúdo oferecido aos alunos nesse período de quarentena pode ser considerado para complementar as horas-aula exigidas por lei?

LCF: Complementar às horas exigidas sim, mas não pode ser contabilizado como horas letivas regulares.

O problema não está em distribuir conteúdo online, está em querer que ele conte como horas letivas. Se vira hora letiva, está sujeito a avaliação e se isso ocorrer, aprofunda-se a desigualdade educacional – objetivo que é exatamente contrário ao pretendido com o envio do material.

 

Imprensa SINESP: Qual seria esse objetivo?

LCF: O que tem sido feito é enviar apostilas online com roteiros de estudo e questões de avaliação e com aulas gravadas pelos professores. São atividades seguidas de exercícios e isso é insuficiente para garantir aprendizagem de todos. Além de sobrecarregar as famílias com decisões inadequadas para o momento triste e difícil que estão passando.

Um dos equívocos destas situações é achar que, tendo enviado material para que a criança possa seguir a seu ritmo, sem os demais colegas para aprender conjuntamente em sala, então eles são “personalizados”.

Longe disso. Só professores podem personalizar a educação das crianças.

Plataformas de aprendizagem, mesmo as mais modernas, como sugere Diane Ravitch, “despersonalizam” o ensino ao afastar o professor. Agregue-se que, nelas, o aluno é submetido às decisões de um “programador” que montou a plataforma segundo decisões que foram indicadas por especialistas nos conteúdos programados.

Estas opções atendem a alguns caminhos que os estudantes poderiam fazer para aprender, mas não atendem a todos os caminhos possíveis, pois isso depende da maneira como cada estudante reage ao material. Daí a presença insubstituível do professor.

Podemos ser indulgentes quanto à qualidade dos materiais que estão sendo enviados entendendo a situação presente, mas isso não autoriza a considerá-los – até pela própria precariedade – como hora letiva.

 

Imprensa SINESP: Qual a alternativa o Sr. vê para equacionar o ensino e as exigência legais para o ano letivo frente à suspensão das aulas imposta pela pandemia?

LCF: Devemos partir da constatação que estamos diante de uma situação de excepcionalidade. Até a Constituição Federal está sendo alterada para atender a esta excepcionalidade em aspectos econômicos. Por que no caso da educação temos que seguir o ordenamento estabelecido para tempos de paz?

O vírus não afeta só a saúde e a economia, afeta a educação, a cultura, enfim todos os aspectos da sociedade. Portanto, tratemos este momento com a excepcionalidade que ele exige também na educação e paremos de tapar o sol com a peneira, querendo aparentar que tudo está caminhando normalmente. Não está.

Sendo assim, a solução mais efetiva que temos é simplesmente “ciclar” os anos 2020 e 2021, criando um ciclo de estudos único de 1600 horas letivas que serão trabalhadas pelas redes de acordo com sua realidade específica e o impacto causado localmente pela pandemia.

 

Imprensa SINESP: Descentralizar e não padronizar as soluções?

LCF: Sim. Faz parte desta decisão, obrigatoriamente, a suspensão de todos os processos avaliativos que não sejam aqueles com finalidade diagnóstica, planejados pelos próprios professores nas escolas.

Isso inclui a suspensão de avaliações municipais, estaduais e federais neste período. Aliás, o dinheiro gasto em pagar terceirizadas para fazer avaliações inúteis seria mais bem aplicado se fosse deslocado para atender a área da saúde no combate à pandemia.

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Veja a Palestra “A reforma da educação: uma nova política educacional?”, proferida pelo Prof Dr. Luiz Carlos de Freitas no 23º Congresso do SINESP.

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