INDISCIPLINA E AUTORIDADE ESCOLAR

Christian de Mello Sznick[1]

Resumo

A indisciplina tem sido um tema recorrente em diversas conversas e registros de educadores. No presente trabalho, a indisciplina do escolar será analisada a partir da relação com o papel da autoridade exercida pelo professor em sala de aula (AMARAL, 2006) e pelos gestores educacionais. A compreensão de Escola parte da premissa de que esta é uma instituição social que tem em seu interior diversos grupos sociais (CHINOY, 2006; MANNHEIM, 1977). Com base nessa premissa, será desenvolvido um esboço teórico da relação entre a autoridade do profissional de educação e o ambiente da instituição social Escola. Com vistas a ampliar o escopo do trabalho, para que a discussão não seja puramente teórica, será adicionada a análise de alguns casos discutidos em reuniões de Conselho de Escola e casos reais escolares, para verificação da viabilidade da aplicação do plano teórico.

Palavras-chave: Indisciplina. Gestor educacional. Emef.

 

Indisciplina e autoridade escolar

A chamada “autoridade do professor em sala de aula” e sua relação com os alunos é abordada por Amaral (2006) a partir do que denomina como “atuação limite”, que, no campo escolar, identifica-se nas ações de natureza agressiva dos alunos que ultrapassam os limites para a manutenção de um vínculo que pode levar a uma violência simbólica e destruir toda e qualquer possibilidade de diálogo e de estabelecimento de relações. Para que isso possa ser mudado, a autora salienta que é necessário o conhecimento do universo desses alunos, do que pensam e do motivo que leva a Escola a ser um ambiente onde eles, cada vez menos, reconhecem-se como membros. O rompimento precisa existir entre professores e outros entes da Escola, que necessitam rever seu real significado perante os alunos e a sociedade.

Neste sentido, complementa-se, ao citar o conceito abordado por Amaral (2006), que é importante analisar o trânsito dos seres sociais entre os mundos socioculturais e os campos de significados distintos, englobando as noções de geração e as variações histórico-culturais (MANNHEIM, 1977).

Amaral (2006) coloca que a identidade juvenil se constitui a partir de diversas vertentes (música, esporte, novas formas de sociabilidade), o que se aproxima da noção de “papel” e “status social” de Chinoy (2006), em que ambos – papéis e status – aparecem sempre juntos. Na sociedade, o ser social representa diversos papéis. O papel é o que se espera de si. A questão são as atribuições que colocamos ao papel, aliadas à noção de “grupo”, em que os papéis e o status estão interligados por relações. Há uma identificação dentro desse grupo, como o exemplo dos jovens que escutam e cantam funk. Elegem-se mitos e celebridades, dentro do conceito de Chinoy (2006), em que se entende como “celebridade” aquele que está no topo para aquele grupo. O líder dá coesão, unidade ao grupo.

Com base nesse entendimento, observa-se que a Escola não está gerando um conjunto de expectativas genericamente esperadas para todos. Seria a mesma homogeneização de que todos os alunos apreciariam funk dentro da Escola.

O conflito também é gerado quando se considera que cada ser social preenche os papéis associados a esse status, mas ele precisa ser aceito e compreendido pelos demais grupos a sua volta. Para o professor ser aceito como autoridade, seu status precisa ter uma significação e ser reconhecido junto ao grupo de alunos (HARTLEY, 1970).

Amaral (2006) relata experiências com jovens de uma turma de oitava série que não têm atividades estruturadas, planejadas dentro de uma rotina escolar, nem professores com diversas aulas, que escrevem textos sem objetividade e que se mostram desmotivados, sem perspectivas quanto ao seu futuro.

A Escola, enquanto Instituição Social, precisa, de fato, de planejamento e acompanhamento de suas ações, em prol do atingimento dos objetivos educacionais levantados pela equipe escolar, explícitos como missão no Projeto Político-Pedagógico (PPP). Também é necessário que defina quais instrumentos de avaliação e correção de fluxo serão adotados nas diversas situações, principalmente nas contingências, como falta de professor, escassez de recursos, aumento e geração de conflitos entre alunos e professores, entre professores e professores, entre alunos e alunos.

A avaliação precisa ser múltipla, para propiciar uma análise mais ampla, não ficando restrita a momentos dentro da Unidade Escolar, mas valorizando e contextualizando a Cultura institucional de cada Unidade dentro de seu sistema ou rede de ensino.

A estrutura da Sociedade como um todo precisa estar envolvida, quando se discutem as gerações de jovens. O jovem tem diversos papéis em diversos status, seja como filho, aluno, membro da Igreja ou de um grupo de jovens. As relações entre os seres sociais desses diversos grupos sociais precisam ser analisadas. Os conflitos e as questões de violência podem estar presentes nos diversos status desempenhados pelo jovem.

Amaral (2006) coloca que, ao analisar o comportamento dos jovens na apresentação de um rap como produção a um professor, verificou-se que estavam no limite da transgressão, “que exige a presença da direção da escola, da sociedade e do governo para que não lhes reste apenas o tráfico, o roubo e a droga como opções!” (AMARAL, 2006, s/p).

Tem-se a Escola como local de manifestação do jovem, que não se contenta com as regras sociais que lhe são impostas.

Para Mannheim (1977), a juventude faz parte dos recursos latentes que uma Sociedade tem a sua disposição e implica sua mobilização quanto à capacidade de iniciativa e resistência do ser social. Para a sociedade ser dinâmica, necessita mobilizar esses jovens, a fim de que se tenha uma alteração do desenvolvimento social existente até então. Segundo o autor, a juventude não tem uma natureza progressista ou conservadora, mas sim uma potencialidade a ser orientada pela Sociedade.

É na adolescência que o ser social estabelece ou amplia contatos com diversas instituições de forma mais intensa, em um estado de fermentação. Novos hábitos, costumes e regramentos são diferentes dos que tinha contato até então. Mannheim (1977) cita que o jovem, nesse momento, está em uma situação à margem da Sociedade. Desta forma, tem-se o conflito gerado e o desafio de sua superação, que precisa ser orientada, para que o jovem procure modelos como forma de comparação, integrando-se a grupos que lhe dão identidade e segurança.

Essa visão de Mannheim (1977) converge com a de Chinoy (2006) e de Amaral (2006), evocando a necessidade de outras Instituições Sociais participarem do processo de educação desses jovens. O estabelecimento e o entrosamento do ser social ultrapassam os muros da Escola.

O filme “Entre os Muros da Escola” (CANTET, 2007) traz experiências de um grupo de alunos na França. A diferença social e cultural gera incompreensão e conflitos entre os alunos e o professor. Destacadas as diferenças entre França e Brasil e restringindo-se à análise do conflito do jovem com a Escola e com seus entes, reforça-se o conceito de que o conflito existe somente na Escola e que ela é a única responsável por resolvê-lo.

A Instituição Familiar reveste-se de grande importância nesse processo, necessitando ter uma atuação em conjunto com a Escola. É preciso que as duas Instituições sejam parcerias no processo de Educação do jovem.

Sendo a Escola um local onde ocorrem essas manifestações, nota-se que seu papel, enquanto Instituição Social, mesmo que inconscientemente, existe para os jovens. Há uma ligação em que a Escola, inicialmente, é o local de encontro dos jovens, dentro de uma noção de segurança social, onde terão relacionamentos entre os diversos grupos. No relacionamento entre os grupos, surgem conflitos que nem sempre estão relacionados ao Universo Escolar, mas a problemáticas ligadas ao entorno da Escola, trazidas pelos alunos ao seu interior. Fonseca (1995) aborda essa questão ao compreender que a Escola, como Instituição Educacional, revela os problemas das crianças e dos jovens, e não somente seus atributos e suas competências.

Ressignificar experiências e propiciar novas experiências na Escola torna-se importante para o aluno rever seu papel até mesmo dentro da Sociedade. Atrair o aluno oferecendo outras possibilidades além das que já conhece é algo que precisa acontecer desde as séries iniciais. No Ensino Médio, quando o aluno não recebeu estímulos e outras experimentações anteriores, as mudanças tornam-se mais árduas, o que não impede que algumas situações sejam apresentadas. O contato com as artes e a música precisa ser mais amplo do que simplesmente trazer para a Escola o rap, o funk e a capoeira. A Escola é um local de experimentação e contato com outros conhecimentos e realidades.

Amaral (2006) cita que é necessário haver o encontro do mundo juvenil e de suas formas de expressão dentro do universo escolar. A simples reprodução na Escola de realidades já vividas é tão ou mais complicada para a geração da mudança social clamada por Mannheim (1977) quanto apresentar outras realidades desconsiderando e não relacionando com a já vivenciada pelo aluno. O jovem precisa constantemente ser levado a aprender a aprender, fazendo, questionando, sendo orientado em seu processo pelo professor. Nesse ponto, Amaral (2006) converge novamente com Mannheim (1977), ao apontar que o jovem passa a ter melhores condições de subjetivação de sua realidade, propiciando ruptura e mudanças em seu cotidiano, o que acaba fortalecendo a equipe escolar, que passa a retomar sua autoridade perdida.

Estudo de caso

Foram efetuados alguns estudos de casos com base em informações coletadas na leitura dos livros de reuniões pedagógicas de uma Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) da Rede Municipal de Ensino de São Paulo nos anos de 2010 e 2011.

Um segundo estudo de caso foi colhido a partir da participação em formação oferecida pela Fundação de Apoio da Faculdade de Educação da USP (Fafe) no primeiro semestre de 2012, voltada para Escolas das Diretorias Regionais de Educação (DREs) de Campo Limpo, Butantã e Pirituba.

A coleta desse corpus foi possível a partir de registros da atuação do autor deste artigo como professor e gestor educacional em Emefs de Campo Limpo. O autor atuou como professor de Educação Infantil e Ensino Fundamental I (PEIEFI) e presidente do Conselho de Escola do primeiro caso. No segundo caso, ele apresentou uma ocorrência que tem registrada e que foi comentada na formação periódica, já como assistente de diretor de escola e também presidente do Conselho de Escola.

Reuniões pedagógicas

O primeiro estudo de caso traz à tona registros coletados nos livros de reuniões pedagógicas realizadas em 2010 e 2011 em uma Emef da Rede Municipal de Ensino de São Paulo. A escola situa-se no Campo Limpo, na área de uma antiga Companhia de Habitação Popular (Cohab). Tem mais de 40 anos de existência e apresenta resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) acima da média da Capital. Atende alunos do Ensino Fundamental regular e da Educação de Jovens e Adultos no período diurno. Em 2012, tinha cerca de 968 alunos. Os registros fazem parte de livros oficiais e estão digitalizados, uma prática realizada desde o ano de 2009 que facilita a divulgação de informações por meio de lista de correio eletrônico.

A análise do trecho seguinte possibilita verificar o entendimento que se tem sobre a questão da indisciplina e a abordagem feita em uma reunião de professores e equipe técnica (coordenadores pedagógicos e direção escolar). Os nomes foram suprimidos para preservar a identidade dos participantes, uma vez que o foco reside na análise do caso, e não no indivíduo:

A indisciplina foi um ponto ressaltado pela Professora M1 e que as regras deveriam ser seguidas. O Coordenador Pedagógico N lembrou estas relações e o trabalho com o aluno. A questão do celular foi muito problemática, uma tecnologia que precisamos ver uma forma do seu uso no dia a dia da Escola. Não se deve buscar através do embate com uma turma como oitava série. Alguns acordos podem ser necessários para uma melhor convivência, segundo a Professora R, Diretora da Unidade Escolar. Professora M2 colocou as regras que tem com as turmas e o que considera essencial e quais os momentos em que o celular não interfere (EMEF, 2010).

Nesse fragmento, retirado de uma ata de reunião pedagógica, verifica-se uma discussão sobre o uso do celular em turmas de oitava série do Ensino Fundamental de 8 anos. O chamado “embate entre aluno e professor” ou “entre aluno e escola” fica marcado quando as regras são apenas impostas e não partem de um processo dialógico, como defendido por Amaral (2006). A diretora da Unidade Escolar e uma professora abordam exatamente a necessidade de uma flexibilidade e de uma construção coletiva pelo aluno e pela escola. O exemplo apresentado torna-se interessante no sentido da análise, por ser exatamente o mesmo ano escolar abordado nos estudos de Amaral (2006).

A formação dos grupos em sala de aula precisa, conforme algumas colocações, ser alterada para melhorar o rendimento dos alunos. O raciocínio abstrato e a concepção de processo não são compreendidos por muitos alunos. O aluno, ao ser encaminhado para a Direção, entende que isso se deve somente a um fato ocorrido naquele momento, sem a noção do processo, dos acontecimentos anteriores. Isso precisa sempre ser esclarecido, mostrando que existe uma escala de gravidade do ato. O ambiente escolar, sobretudo, não pode se voltar para a questão punitiva. Amaral (2006) reforça a questão de o ambiente escolar estar voltado para o educacional. A proximidade entre aluno e escola precisa existir e os estímulos podem ser iniciados a partir da postura aberta e dialógica do grupo gestor, dos professores e no contato com a família.

Em outra reunião pedagógica da mesma escola, realizada no ano seguinte, novamente o tema “indisciplina” voltou à discussão:

Após a discussão de alguns casos de indisciplina de alunos, o Coordenador Pedagógico N citou que o aluno está construindo um conceito, mas a Escola é um filtro e precisa-se fazer uma reflexão constante com o aluno. Verificar a causa é importante. E aprender com estes alunos (EMEF, 2011).

Esse enxerto traz uma boa síntese do papel que a Escola precisa desempenhar na busca pelas soluções. A Escola precisa verificar as causas da dispersão e da indisciplina do aluno e tratá-lo como ser social ativo e protagonista de suas ações.

Do Ensino Fundamental regular à Educação de Jovens Adultos, há casos de alunos que não querem seguir regras. Uma das formas de ação defendidas pela Coordenação Pedagógica da Escola analisada, que corrobora com as indicações feitas por Amaral (2006), volta-se para o diagnóstico preliminar. O professor necessita, primeiramente, diagnosticar o caso, e o coordenador precisa ter essas informações.

Uma situação regular em que o aluno resolve entrar em confronto com outro aluno acaba gerando um problema para todo o grupo de professores, pois o aluno pode passar a ver todos os professores como pessoas que entrarão em confronto com ele. Educação deve ser entendida em diversos pontos, considerando o aluno um ser humano em sua totalidade, alguém que tem emoções. Legislações e regras existem para controlar emoções. As mães e as famílias não estão lidando com as próprias emoções. Educar é ensinar as pessoas a lidar com as emoções. A construção do ser social deve ser feita de forma coletiva. Alguns alunos ainda não sabem lidar com suas emoções em certas situações, assim como muitos adultos também não.

Os alunos da quinta série ainda estão aprendendo a lidar com algumas situações, como a troca de professores constante, considerando que antes tinham um professor polivalente e agora têm um para cada disciplina. É preciso ajudar uma pessoa que está construindo algo que outros já construíram. Ofender o aluno não adianta, porque ele já é ofendido. O mesmo acontece quando o professore resolve colocar o aluno para fora da sala de aula como uma punição. O aluno, ao estar fora da sala, tem a percepção de que está perdendo o contato com o grupo de colegas, e não com o que o professor está trabalhando. O estar na escola é um status, assim como ir para o Ensino Médio, estar na faculdade, no mestrado. A noção de status acentua-se cada vez que o nome da Escola se amplia e se firma perante as demais unidades escolares da região, seguindo o entendimento de Hartley (1970). O conjunto de atividades que existem na Escola são e precisam ser vivenciados pelos alunos.

Ocorrências escolares

No ano de 2012, a Prefeitura de São Paulo, através de sua Secretaria Municipal de Educação (SME), firmou uma parceria com a Fafe e ofereceu cursos voltados para os assistentes de diretor de escola, profissionais que, notadamente, acabam por se envolver no atendimento e no registro de ocorrências escolares, mediando conflito entre os alunos e entre aluno e professor. Os encontros formativos foram realizados no primeiro semestre de 2012, na sede da Fafe, envolveram profissionais de Escolas das DREs do Butantã, Campo Limpo e Pirituba. No total, aconteceram quatro encontros, com duração de seis horas cada. Os assistentes das Escolas de mesma DRE reuniram-se em grupos para verificar as dificuldades e os pontos em comum de cada unidade escolar e analisar alguns estudos de caso trazidos pelos participantes.

A chamada “cultura do registro” precisa ser adotada. Os presentes na formação denominaram entre si “cultura do registro” o ato de registrar, de forma clara, todas as ocorrências, para que ficassem acessíveis em todos os momentos em que se fizessem necessários a verificação e o acompanhamento da rotina do aluno. Além do registro, levantaram a necessidade de ações pontuais e ações coletivas que envolvessem toda a Comunidade Escolar.

A ocorrência que será analisada aconteceu em uma Emef situada próximo do Shopping Campo Limpo. Considerada uma escola com muitos alunos de passagem (alunos que residem longe, mas que vão para essa escola por ela estar no caminho do trabalho dos pais), mas com trabalho e rendimentos no Ideb que se encontram acima dos índices da Capital e um dos melhores de Campo Limpo, a Unidade Educacional sempre foi bem afamada na região pelos diversos educadores da SME.

Apesar de um pouco longo, o trecho a seguir mostra alguns pontos convergentes com a base teórica do presente trabalho:

 

Descrição do caso

 

A aluna “x” possui desempenho escolar (aprendizado) excelente, porém apresenta desvios de conduta desde o segundo ano do Ensino Fundamental. No primeiro conflito ocorrido (no segundo ano), a aluna acusou a professora de ter batido nela. Após mediação da equipe técnica, a família continuou acreditando na aluna e esta continuou o ano letivo com a mesma professora. Na quarta série, ela se indispôs com outra aluna (aluna “y”) na classe (em uma briga por liderança) e na saída da escola chegou a ameaçar a aluna “y” na frente da mãe, que reagiu e empurrou a agressora (aluna que fez a ameaça). Ocorrido isso, a mãe da aluna “x” procurou a escola dizendo que a mãe da aluna “y” havia agredido fisicamente sua filha. A equipe técnica novamente mediou a questão, e o ano letivo, que já estava no fim, foi concluído sem mais problemas. Durante a quinta série, houve problemas disciplinares diversos, todos no âmbito da provocação aos demais alunos e desrespeito com alguns professores. A escola fez intervenção nas ocorrências cabíveis, chegando a remanejar a aluna “x” de turma por três vezes.

A aluna “x” está agora na sexta série e os problemas disciplinares estão se agravando. Há o desrespeito constante aos colegas, incluindo casos de bullying com alguns deles. Também há o desrespeito à autoridade dos professores e dos gestores da escola.

A fala da família (principalmente da mãe), em todas as ocasiões, é que a única exigência em relação à filha é que ela tenha excelente desempenho (notas), e nisso a filha é eficiente. A mãe acredita que sua filha é perseguida por alguns colegas e professores, e fala isso de maneira agressiva. A mãe também diz que a responsabilidade pelos atos da filha é dela e que pela filha é capaz de matar ou morrer. O pai atende às convocações e diz que irá intervir em casa, porém isso não ocorre/não se verifica nada no cotidiano escolar.

Nesta semana, houve um desentendimento entre a aluna “x” e outras alunas de séries diferentes durante o intervalo. As alunas disseram que iriam bater nela na saída e a aluna “x” falou que o pai (que é da GCM) possui uma arma e que ela a levaria na escola para “acertar as contas”. A direção tomou ciência dessa última ocorrência através de um pai (responsável por uma das alunas envolvidas) que está muito preocupado, mas não tem provas para acusar a aluna “x” de realmente ter cometido este ato. O pai da aluna “z”, envolvida na situação, quer até transferir sua filha de escola.

(Material pessoal do entrevistado coletado na entrevista)

 

O caso apresentado foge do padrão esperado por muitos, de que aluno indisciplinado que causa conflitos tem como perfil baixo aproveitamento escolar.

Percebe-se que, no dia a dia da escola, há uma cisão cada vez mais evidente entre o professor e o aluno e sua relação. Entende-se que isso se dá por diversos motivos:

  • Vaidade do profissional de educação, que se convence com a hierarquia do saber e coloca isso como fundamental.
  • Falta de habilidade para lidar com as diferenças encontradas no corpo discente. Hoje, as categorias não são mais homogêneas e a individualidade deve ser considerada, para que possamos trabalhar competências e habilidades.
  • Desmotivação para o trabalho com projetos, pois exigem pesquisa, acompanhamento e avaliação. Os profissionais preferem utilizar recursos arcaicos, que não atendem mais aos anseios dos educandos.
  • Acúmulo de cargos pelo professor que necessita suprir suas necessidades básicas. Isso o desestimula, pois ele não encontra tempo para sua formação individual, para o preparo e o acompanhamento dos projetos e para a participação em atividades culturais ou de lazer.

Sabe-se que, para a reversão desse quadro, encontros são essenciais, além de formação. Porém, alega-se que não há tempo e que a rotina da escola é diferenciada. A violência da escola inicia-se com esse problema. O comportamento do aluno acaba prejudicando a aula e ele assume esse comportamento porque não tem interesse pela aula, segundo alguns dos presentes na formação de assistentes de diretor de escola.

O contraponto a essa posição aparece justamente nos registros efetuados na reunião pedagógica da primeira escola. O interesse pela aula acontece justamente quando o aluno é conquistado, quando o momento é significativo. Mesmo conteúdos mais densos podem ter melhor aceitação e interesse quando se buscam didáticas e práticas que envolvem o aluno como um protagonista em seu processo de aprendizagem (AMARAL, 2006).

Considerações finais

A necessidade de se compreender o aluno como ser social, e a Escola, como espaço formativo e instituição social, foi apresentada com base em importantes autores da Sociologia e da Educação e corroborada por ações desenvolvidas nas Unidades de Ensino analisadas.

A compreensão da necessidade da discussão e, principalmente, da compreensão dos papeis sociais da Escola, dos professores e dos alunos mostra-se uma preocupação que vem crescendo. Não se trata de buscar culpados, algo recorrente em uma cultura escolar mais antiga, mas de encontrar soluções que não excluam o aluno do ambiente escolar ou de sua participação nas atividades, devido a comportamentos que rompam com regras sociais. As regras de convivência precisam, conforme mostrado na leitura de reuniões pedagógicas e de casos de ocorrências reais, ser mais bem trabalhadas, de forma ampla, com uma construção coletiva.

Faz-se necessário olhar para o aluno em situação de indisciplina, primeiramente, não com foco na ocorrência, mas buscando os motivos que o levaram a apresentar uma conduta desaprovada por muitos. Além disso, é preciso promover a verdadeira inserção do aluno e seu devido acompanhamento pela equipe gestora e pelo quadro docente.

Para além dos resultados, se as crianças e as famílias interiorizam a problemática, a Unidade Educacional adquire uma linha de conduta clara e ganha experiência para novos casos e respeitabilidade perante o grupo escolar.

Referências

AMARAL, M. Culturas juvenis x cultura escolar: repensando as noções de (in)disciplina e autoridade no âmbito da educação. Psicanálise, Educação e Transmissão, São Paulo, ano 6, col. LEPSI IP/FE-USP, 2006. Disponível em: <http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000032006000100011&lng=en&nrm=abn>. Acesso em: 10 nov. 2021.

CANTET, L. (Dir.). Entre os muros da escola. 128 minutos. França, 2007.

CHINOY, E. Sociedade: uma introdução à sociologia. São Paulo: Editora Cultrix, 2006.

EMEF. Livro de Reuniões Pedagógicas de 2010. São Paulo, 2010.

______. Livro de Reuniões Pedagógicas de 2011. São Paulo, 2011.

FONSECA, V. Introdução às dificuldades de aprendizagem. 2. ed. rev. aum. Porto Alegre: Artmed, 1995.

HARTLEY, E. L. Status social e papel social. In: CARDOSO, F. H.; IANNI, O. (Orgs.). Homem e sociedade. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1970, p. 69-74.

MANNHEIM, K. Funções das gerações novas. In: PEREIRA, L.; FORACCHI, M. M. (Orgs.). Educação e sociedade. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977, p. 91-100.

                                               

[1] Especialista em Planejamento, Implementação e Gestão de EaD pela Universidade Federal Fluminense (2011) e em Metodologia do Ensino da Matemática pela Faculdade São Luís (2021). Graduado em Pedagogia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2002). Atualmente, é diretor de imprensa no Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo (Sinesp), diretor de escola no Centro de Educação Infantil Jardim Copacabana e membro dos Conselhos de Alimentação Escolar, Participativo Municipal Mooca e Fórum Estadual de Educação. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 


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