Emilia Cipriano Sanches[1]

Não existe vento favorável a quem não sabe aonde deseja ir.

Sêneca

A frase dita por Sêneca, grande filósofo romano da Antiguidade, contempla a provocação vivida pelo Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo (Sinesp) para a realização do II Sinesp Recebe Rede Autora 2021. O evento teve como objetivo promover a divulgação de práticas e valorizar o papel dos gestores, considerando o cenário de 2020/2021, em que vivemos uma profunda crise planetária, nas diferentes dimensões humanas, uma crise que trouxe desafios de ordem ímpar: o isolamento social, neste tempo pandêmico, em todo o planeta, que modificou as relações vividas nas mais diversas esferas – econômica, sanitária, política, emocional –, especialmente na esfera educacional, para nós, educadores.

Parafraseando o sociólogo e filósofo francês Edgar Morin, “vivemos numa ilha de certezas num universo de incertezas”, e foi com essa premissa que demos início ao encontro deste ano, pois, como profissionais da educação, não nos curvamos frente aos desafios que o momento nos traz.

Mesmo com os ventos que sopram contra a educação brasileira, sabemos aonde queremos chegar. Para isso, devemos enfrentar essas incertezas, não nos calando, mas discutindo as dificuldades e, acima de tudo, trazendo à baila ações possíveis, que estão sendo realizadas nos territórios de aprendizagens de nossas escolas, orquestradas por gestores qualificados, engajados e conscientes de seu papel de liderança; educadores que fazem o inédito viável, inspirados em Paulo Freire, patrono da educação brasileira.

Neste ano, tivemos a comemoração de dois centenários, o de nascimento de Paulo Freire e o de vida de Edgar Morin, dois pensadores que muito nos ensinam. Isso é revelador, por mostrar que duas histórias de vida tão importantes para a humanidade nos deixam ensinamentos que se apresentam tão atuais e necessários para nosso processo de reflexão enquanto sujeitos históricos, em especial para nós, profissionais da educação que se preocupam com o futuro de nosso país.

Realizar um encontro dessa natureza representa ter um posicionamento na luta em defesa da vida, do humano e da educação pautada em uma perspectiva humanizadora, inclusiva e emancipatória. A resposta dos gestores educacionais da Rede Municipal de Ensino de São Paulo à chamada do Sinesp foi desbravadora. Enfrentando todos os limites, os profissionais registraram suas experiências, suas pesquisas e suas leituras no contexto da escola paulistana frente a todas as dificuldades, os desafios e as vicissitudes, apontando e revelando o conhecimento necessário para a formação humana na contemporaneidade. Esses trabalhos constituem-se um marco em três dimensões: ontológica, axiológica e epistemológica.

Na dimensão epistemológica, os trabalhos apresentados pelos gestores, por meio de linguagem simples e clara, revelaram a utilização de conhecimentos práticos provenientes de suas experiências vividas, dos saberes cotidianos e das competências sociais.

Na dimensão axiológica, os textos apresentaram o resgate dos valores que se articulam nesse contexto, como o respeito à vida, a dignidade, a solidariedade e a colaboração.

Na terceira dimensão, a ontológica, os textos trataram das coisas existentes no mundo, em especial no mundo escolar, na natureza do ser e em sua realidade. Apresentaram gestores que exercem sua liderança e que tomam decisões desenvolvendo estratégias que busquem entender e apoiar o desenvolvimento de nossos alunos e colaborando para a construção de um novo ser, que nasce todos os dias no interior das salas de aula, no cotidiano escolar.

Esse posicionamento profissional foi revelado nas temáticas desenvolvidas em todos os artigos selecionados pela equipe organizadora do evento. Distribuídos em quatro eixos, os trabalhos apresentados trouxeram grandes contribuições para a reflexão possibilitada pelo encontro: diversidade, gestão educacional, currículo e valorização do trabalho na educação. Temas relevantes – dentre eles, experiência profissional gestora, currículo emancipador, importância do papel do coordenador pedagógico para a promoção de uma educação antirracista e acolhimento dos alunos e das famílias frente ao momento pandêmico vivido – foram apresentados no evento, suscitando nos participantes um posicionamento de enfrentamento das dificuldades pelas quais passam as escolas paulistanas e mostrando-lhes que é possível existirem ações pedagógicas que possibilitem a realização de uma educação democrática, inclusiva e não violenta.

Os artigos apresentados têm relevância teórica e social, pois estão intimamente ligados ao contexto atual. As abordagens utilizadas são pertinentes e pautadas em uma fundamentação teórica sólida, com uma coerência profunda entre os objetivos propostos e as reflexões desenvolvidas. Quanto às metodologias empregadas, todas são coerentes com as problemáticas formuladas e com os objetivos propostos. Há uma interlocução entre a área de conhecimento e o significado de sua abrangência. As reflexões e as conclusões estão expressas de forma clara e bem fundamentada, com coerência e compromisso ético com a escola pública. Publicá-los significa trazer a voz daqueles que, no cotidiano, vêm enfrentando o maior desafio de todos os tempos, e isso é construir a história.

As apresentações, extremamente claras e envolventes, revelaram a sintonia e a sinergia dos profissionais envolvidos, expressando o olhar epistêmico de quem entende a educação como um ato transformador. Revelaram ainda uma atitude de assumir, com inteireza, a complexidade desta rede humana de cooperação e de solidariedade, construindo uma cultura do encontro e de interação.

Em um momento de enfrentamento da violência, do autoritarismo, do negacionismo e de valorização de todas as vidas, esta produção é uma superação que expressa o discernimento de que não se pode trabalhar os conhecimentos como uma lista de conceitos obrigatórios ou de disciplinas e áreas estáticas, mas como uma ação e uma dimensão de afeto e de cognição,  articulando saberes e experiências adquiridos por crianças e jovens em uma cultura mais ampla, despertando seu interesse e revelando suas necessidades, em seu tempo histórico e de vida. Trata-se, pois, de uma visão longitudinal, interdisciplinar e transdisciplinar, contextualizada e situada historicamente, tomada de desvelamento crítico de informações tóxicas tão presentes no contexto atual.

Este encontro não apenas apresenta a materialização de uma comunidade de aprendizagem cooperativa, de pensamento crítico e de um pacto ecológico de transformações intensas no espaço onde vivemos, mas também fortalece a ideia de escola como espaço de formação permanente que ressignifica o olhar sobre seu território e sobre seu projeto pedagógico, em uma proposta situada histórica e culturalmente e em uma organização de tempo e de espaço em favor da vida.

Finalizo este texto afirmando que os gestores participantes deste encontro integram uma geração que assume a incerteza de participar de uma educação democrática. Seu posicionamento, no momento vivido, tem importância histórica. Houve um encontro de princípios que fortaleceu os profissionais da educação. Divulgar esses trabalhos é ato de coragem; coragem de lutar pela melhoria da qualidade da escola pública.

 

[1] Doutora em Educação: Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestra em Educação: Psicologia da Educação pela PUC-SP. Graduada em Serviço Social e em Pedagogia. Especialista em Desenho e Gerência de Políticas Públicas e em Programas Sociais. Professora titular da Faculdade de Educação e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Formação de Formadores da PUC-SP. Fundadora do Fórum Paulista de Educação Infantil. Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Municipal de Educação de São Paulo. Líder dos grupos de pesquisa “Políticas Públicas da Infância” e “Educação Integral”, ambos da PUC-SP. Coordenadora do Instituto Aprender a Ser. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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