O DIRETOR DE ESCOLA PÚBLICA NO EXERCÍCIO DO CARGO DURANTE A PANDEMIA DO CORONAVÍRUS 2020/2021

Mardonia Matos Pinheiro Alencar[1]

Resumo

A Unidade Educacional, vista como espaço necessário para promover o acolhimento das diversas exigências da sociedade, percebeu-se ainda mais como ambiente favorável para esse fim durante o período pandêmico. O objetivo deste trabalho é apresentar recortes da prática de uma diretora de escola e provocar reflexões sobre as competências dessa profissional, frente às demandas provocadas pelo coronavírus, no cotidiano de um Centro de Educação Infantil pertencente à Secretária Municipal de Educação de São Paulo.

Palavras-chave: Gestão democrática. Escola. Pandemia.

Introdução

No presente trabalho, proponho-me a apresentar recortes de minha prática como diretora escolar de um Centro de Educação Infantil (CEI) durante a pandemia do novo coronavírus, que assolou o mundo em 2020 e ainda persiste em 2021, e registrar parte dos acontecimentos e das diversas demandas na Unidade Educacional (UE), durante o percurso pandêmico. O relato justifica-se pela necessidade de marcar esse período histórico em processo, a fim de dar visibilidade ao desenvolvimento do trabalho do diretor de escola e de gerar memória nesse território específico.

Em 2020, o início do ano letivo nas UEs foi marcado por reuniões organizacionais, visando à construção de planos de trabalho coletivos e individuais, pensando, sobretudo, no atendimento de bebês e crianças. Esses encontros iniciais tiveram como perspectiva refletir, construir estratégias, registrar, formalizar as propostas de percurso para o ano, no sentido de atender, da melhor forma, os bebês e as crianças da escola, resultando no documento conhecido como Projeto Político-Pedagógico (PPP), que engloba e formaliza as discussões, isto é, apresenta o perfil, a trajetória da escola e, para além disso, é parte integrante da vida escolar.

No PPP, são tratados os mais diversos temas, como questões pedagógicas, de segurança, sobre melhorias para o currículo escolar, o acolhimento aos bebês e às crianças, buscando, por fim, compreender o território, para que, de fato, seja possível inserir a escola em seu meio. O PPP, contudo, embora seja um documento, não pode ser estático, mas um processo, de modo que deve ser revisitado e revisto sempre que houver necessidade, a fim de que se perceba a continuidade do projeto inicial ou uma possível mudança de trajetória.

E foi nesse contexto, no início das aulas, que logo percebemos que o mundo começou a sofrer alterações significativas em seu curso, principalmente a partir do dia 11 de março de 2020, quando o diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS) elevou a situação a estado de pandemia, provocada pela Síndrome Respiratória Aguda Grave do Coronavírus (SARS-CoV-2), ou novo coronavírus, algo jamais imaginado para o século XXI.

Desta forma, também no Brasil, o ano de 2020 começou com esse panorama trazido pela novidade pandêmica, de maneira que o país e os diversos setores da sociedade necessitaram fazer adequações e adaptações, para darem conta dessa nova realidade, e isso acabou por afetar todo o sistema educacional das redes públicas e privada.

Pensando nas escolas do município de São Paulo, o impacto da pandemia também trouxe grandes desafios e, antes de suscitar novas aprendizagem, provocou tensões e despertou a sensação de vulnerabilidade diante da vida e da morte.

No âmbito da Secretaria Municipal de Educação (SME), as UEs passaram por períodos de restrição social, quarentena etc., e as medidas de enfretamento de combate ao novo coronavírus vieram por meio das legislações. Duas dessas leis foram o Decreto nº 59.283 (SÃO PAULO, 2020a), que declarou situação de emergência no município de São Paulo, e a Instrução Normativa SME nº 13 (SÃO PAULO, 2020b), que estabeleceu medidas transitórias e antecipou os feriados e os recessos dos docentes.

Nesse período, com o afastamento dos corpos docente e discente, por quarentena ou recesso, o atendimento presencial ao público, nas UEs, passou a ser realizado de forma escalonada e em plantões. Parte do atendimento foi remota (on-line) e parte, presencial, ficando a cargo do quadro administrativo de servidores do apoio e gestores a frequência aos plantões.

Diante desse cenário, eu, como diretora de escola do CEI Parque Casa de Pedra, percebi-me ser cada vez mais parte desse contexto e procurei buscar formas de olhar para essa nova exigência, com o propósito de contribuir com a educação e com seus princípios. Assim, logo surgiu a seguinte reflexão: como realizar um trabalho visando a uma educação pública de qualidade frente à pandemia? Para isso, procurei como norte a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394/1996, segundo a qual: “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996, art. 2º).

A LDBEN nº 9.394/1996, em seu artigo 3º, também cita a garantia do padrão de qualidade, mas eu me pergunto: como garantir esse padrão?

Então, diante dessa perspectiva, procurei descobrir novas formas de realizar meu exercício. Nesse sentido, busquei orientações e contribuições de outros atores e outras instituições para o enfrentamento dos desafios provocados pela onda pandêmica, objetivando, com isso, construir novos conhecimentos para minha atuação no cargo.

Desse modo, no âmbito da UE, no CEI Parque Casa de Pedra, dispus da contribuição da equipe gestora, composta pela Coordenação Pedagógica (CP), pelo Assistente de Direção (AD) e pela Supervisão Escolar. Já no aspecto institucional sindical, obtive do Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo (Sinesp) a parceira administrativa e jurídica. Desse modo, para que pudesse realizar minhas funções a partir dessa nova realidade, precisei, de fato, do apoio de diversos órgãos, setores e colegas de trabalho.

Assim, e na contínua decisão de contribuir com uma educação pública de qualidade, pretendi oferecer a melhor forma de organizar o atendimento à comunidade escolar como um todo integrado – educadores, bebês, crianças, familiares – e, para além disso, dar conta das diversas exigências da SME e da Diretoria Regional de Educação (DRE).

Diante disso, como diretora da UE, analisei tomar decisões compreendendo as competências e as atribuições previstas na legislação do cargo, considerando também minha percepção das questões relacionadas à finitude da vida e ao limite humano, pois, nesse período, precisamente em dezembro de 2020, necessitei de afastamento por licença médica, visto que contraí Covid-19.

Com a finalidade de oferecer uma melhor compreensão das demandas e de minha atuação no CEI Parque Casa de Pedra, apresentarei, a seguir, um breve perfil da UE, de sua comunidade, de seu território e dos demais atores.

O território

O CEI Parque Casa de Pedra está localizado na região norte de São Paulo, Capital, e faz parte da DRE Jaçanã-Tremembé, pertencente à SME.

No entorno da UE, encontra-se o Centro Municipal de Educação Infantil (Cemei) Tremembé, inaugurado em 2020, na gestão governamental do prefeito Bruno Covas.

Ainda no território, existem outras UEs – a Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Jânio Quadros e a Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Marechal Rondon – e a Unidade Básica de Saúde (UBS) Jardim Joamar.

A comunidade escolar

A comunidade escolar é formada pela Gestão Escolar – composta de Direção Escolar, CP, AD e Supervisão Escolar –, por oito servidores do quadro de apoio, 36 docentes, cinco funcionárias das empresas terceirizadas[2] – três da limpeza e duas da cozinha –, 128 bebês e crianças, pais, mães e/ou responsáveis.

Ano de 2020

O ano letivo de 2020 iniciou, no CEI Parque Casa de Pedra, com a organização e os encontros preparativos, por meio de reuniões, planejamentos, planos de trabalho etc. No entanto, logo após o período de organização pedagógica e administrativa, fez-se necessário o fechamento de diversos setores da cidade e, no âmbito da Rede Municipal de Ensino de São Paulo (RME), professores, estudantes e familiares foram isolados, atendendo às recomendações da OMS, no enfretamento à pandemia. Contudo as escolas de São Paulo/SP permaneceram abertas, e os servidores da equipe gestora e do quadro de apoio ficaram responsáveis por garantir o atendimento presencial nas UEs. Segundo a SME, os funcionários tinham por atribuição oferecer suporte à comunidade e atender às demandas vindas da SME e da DRE, dentre as quais estava assegurar a vigilância do patrimônio escolar (prédio). Desse modo, esses funcionários trabalharam nos plantões, com escalonamento de turnos e servidores.

Nesse período, o segmento do quadro de apoio, com o Auxiliar Técnico de Educação, a Agente Escolar e a Gestão Escolar, percebeu-se separado do quadro dos profissionais da educação – e, no caso da Gestão Escolar, fora do cargo do magistério –, uma vez que, diante do risco iminente de contaminação e morte, precisaram trabalhar de forma presencial.

Para além da notória separação de classe dos profissionais da educação, observamos ainda mais a precariedade das condições de trabalho do quadro gestor e de apoio, especificamente nessa UE. A deficiência das condições de atendimento foi demonstrada pela ruptura de contrato com a empresa terceirizada de limpeza, de modo que, em alguns períodos de atendimento presencial à comunidade, a UE não foi minimamente higienizada.

Para esse CEI, no início do ano de 2020, a situação pandêmica foi ainda mais tensa, pois ocorreram perdas irreparáveis pelo falecimento de duas servidoras por Covid-19, sendo elas uma AD e uma funcionária do serviço de limpeza.

Foi nesse cenário cheio de tensões que busquei realizar meu trabalho como representante legal frente ao CEI Parque Casa de Pedra.

Conforme mencionado, logo no início da pandemia, surgiram as legislações que validaram os atendimentos e atribuíram novas competências para os gestores das escolas. Uma delas foi o supracitado Decreto nº 59.283 (SÃO PAULO, 2020a), que declarou a situação de emergência no município de São Paulo e definiu medidas para o enfrentamento da pandemia decorrente do coronavírus. Esse decreto acabou por determinar novas atribuições e competências para a direção escolar, além das demandas já previstas pela legislação do cargo em tempos “comuns”, conforme é possível observar no seguinte artigo:

Art. 6º - As chefias imediatas deverão submeter ao regime de teletrabalho:

I – pelo período de 7 (sete) dias, contados da data do reingresso, o servidor que tenha regressado do exterior, advindo de área não endêmica, ainda que sem sintomas compatíveis com quadro de infecção pelo coronavírus;

II – pelo período de 14 (catorze) dias, o servidor:

a) que tenha regressado do exterior, advindo de regiões consideradas, segundo as autoridades de saúde e sanitária, endêmicas pela infecção do coronavírus, a contar da data do seu reingresso no território nacional;

b) acometido de sintomas compatíveis com o quadro de infecção pelo coronavírus, conforme orientação das autoridades de saúde e sanitária, a contar da comunicação efetuada pelo servidor.

III – pelo período de emergência:

a) as servidoras gestantes e lactantes;

b) os servidores maiores de 60 (sessenta) anos;

c) os servidores expostos a qualquer doença ou outra condição de risco de desenvolvimento de sintomas mais graves decorrentes da infecção pelo coronavírus, nos termos definidos pelas autoridades de saúde e sanitária.

§ 1º A execução do teletrabalho, nas hipóteses preconizadas nos incisos do “caput” deste artigo, sem prejuízo da observância das demais condições instituídas pelo titular do órgão da Administração Direta, Autarquias e Fundações, consistirá no desenvolvimento, durante o período submetido àquele regime, das tarefas habituais e rotineiras desenvolvidas pelo servidor, quando passíveis de serem realizadas de forma não presencial, ou de cumprimento de plano de trabalho ou tarefas específicas, de mensuração objetiva, compatíveis com as atribuições do cargo ocupado pelo servidor, de sua unidade de lotação e com o regime não presencial (SÃO PAULO, 2020).

A princípio, esse foi o exercício do diretor no cenário descrito, mas logo surgiram instrutivos de outras secretarias, que visavam positivamente a formações para educadores oferecidas pela área da saúde[3]. Para além disso, ocorreram também outras exigências a serem contempladas, como entregas de cestas básicas, cartões merendas e leite para os familiares dos bebês e das crianças, dentre outras. Entretanto essa fase de atendimento foi extremamente necessária, uma vez que as famílias se encontravam em situação de vulnerabilidade, por insegurança alimentar.

À exceção dos desafios já mencionados durante o período de 2020, a gestão do CEI Parque Casa de Pedra – Direção Escolar e AD –, em certa ocasião, ao organizar a recepção da equipe de saúde que deveria realizar a testagem sorológica dos servidores, observou que a escola não havia recebido da SME ou da DRE os recursos e os insumos para atendimento dos protocolos de segurança contra a Covid-19. Diante dessa situação, solicitei à DRE permissão para compra de materiais com a verba do Programa de Transferência de Recursos Financeiros (PTRF)[4], a qual foi autorizada para aquisição de quantidades mínimas de materiais de proteção, como álcool em gel, máscaras de acrílico, termômetro e faixas de distanciamento. No período de testagem, contávamos somente com uma funcionária da limpeza, que conseguia apenas higienizar os banheiros, as salas de secretaria e uma pequena cozinha.

Ainda durante o ano de 2020, além da falta de material para o enfrentamento da Covid-19, ocorreu a falta de recursos humanos também para as questões relacionadas aos serviços de poda de mato, desinsetização, desratização, limpeza de caixa d´água etc., visto que todos os trabalhadores responsáveis pela prestação desses serviços eram contemplados no mesmo contrato da empresa terceirizada de limpeza.

Também em 2020, por consequência do afastamento social de professores e alunos, a perspectiva de aulas on-line, de forma assíncrona, fez com que os docentes da UE aprendessem um novo modo de interagir, tanto para o próprio fazer docente como para se comunicar com os bebês, as crianças e os familiares.

Para atender a esse novo formato de ensino e aprendizagem, as interações foram realizadas a partir da utilização de aparelhos celulares, notebooks e redes de internet dos próprios docentes e dos familiares, pois não houve encaminhamentos, por parte da SME, para obtenção de internet banda larga ou de subsídios financeiros para que os professores pudessem realizar seu trabalho. Contudo, a comunicação e a acolhida das famílias dos bebês e das crianças necessitava ter continuidade.

Dessa forma, eu, como representante da UE, e a CP criamos grupos de WhatsApp, Telegram e Facebook, os quais permitiram garantir o acesso e a permanência dos bebês, das crianças e dos familiares nas atividades da UE. Esses meios de comunicação favoreceram o acesso às atividades, uma vez que a maioria das famílias dessa comunidade só consegue acessar a internet por meio de dados móveis pré-pagos.

No transcorrer do período letivo, e através do serviço prestado pela Google, a SME ofereceu e-mails a seus diversos alunos, para que eles acessassem as atividades educativas. O Google Classroom (ou Google Sala de Aula) favoreceu o acesso ao aprendizado, porém alguns familiares do CEI Parque Casa de Pedra não tinham alcance ao sistema, por questões já mencionadas, fazendo-se necessária a continuidade de comunicação pelas redes sociais.

Com a possibilidade de comunicação virtual via redes sociais e através de telefonemas via aparelho fixo, busquei perceber as necessidades, sobretudo de escuta, com vistas ao acolhimento, no sentido de oferecer alguma forma de auxílio, tanto educativo como social, aos familiares, aos bebês e às crianças. Contudo logo observei que, para a maioria dos familiares do CEI, havia necessidades básicas que precisavam ser atendidas, singularmente em questões alimentícias, situação agravada pela perda de emprego de um ou mais membros das famílias. Observei também que, entre os familiares, havia carência de acesso aos benefícios oferecidos pelo governo federal, em especial ao auxílio emergencial.

Pensando em amenizar essa problemática, por algumas vezes, os docentes e a equipe gestora ofertaram, através de recursos próprios, cestas básicas a alguns membros familiares dos bebês e das crianças.

Ainda nesse sentido, como diretora do CEI, observadas as normas de segurança do protocolo contra a Covid-19, solicitei que uma servidora do quadro de apoio ficasse à disposição para auxiliar os familiares, caso houvesse necessidade de ajuda para o preenchimento de formulários para obtenção de auxílios dos governos federal e municipal.

Decisivamente, a necessidade de oferecer uma educação pública de qualidade, com os desafios da pandemia, trouxe para minha gestão nesse CEI um olhar ainda mais ampliado do meu papel, assim como uma sensibilidade de reconhecimento da minha finitude e uma sensação de extrema responsabilidade para com a escola e a comunidade escolar sob minha governança.

No entanto, mesmo com a percepção dos limites da atuação humana, os problemas necessitavam ser atendidos e sanados. Desse modo, compreendi que, cada vez mais, meu ser e meu cargo estão em construção e que a formação e a atuação do diretor escolar também podem ser realizadas a partir dos acontecimentos cotidianos e como estes apresentam-se no momento. Possivelmente seja essa a leitura de mundo apresentada nesse processo pandêmico. Certamente, também considero todas as contribuições teóricas, legislativas, jurídicas e administrativas para meu exercício de direção escolar.

É notório que existe um misto de impossibilidades e possibilidades, e tudo é aprendizado, exatamente porque, como somos esses seres em construção, a percepção de mundo na atuação do diretor de escola, em época de pandemia, é um importante ponto a ser continuamente refletido.

Para validar essa afirmação, cito Freire (1989), que refletiu sobre a leitura de mundo em “A importância do ato de ler”, pensando, sobretudo, nas questões da alfabetização, da decifração dos códigos de leituras e até da releitura a partir de memórias, com vistas não só ao aprendizado das letras, mas também à conscientização política.

Observo que aqui também vale a reflexão sobre a leitura de mundo no sentido da atuação em meu exercício de diretora de escola, frente à pandemia do coronavírus, uma vez que, como gestora do CEI, consigo perceber, mesmo que brevemente, que o atual contexto pode propiciar novos registros, novas leituras e novas possibilidades de atuação.

Assim nos diz Freire (1989, p. 13):

A leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele. [...] De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente.

Portanto a situação pandêmica ocasionada pelo novo coronavírus pode suscitar, sem dúvida, uma nova leitura de mundo e a possibilidade de uma nova reescrita, cada vez mais consciente, do meu fazer de diretora escolar, nos aspectos administrativo e pedagógico.

Nesse sentido, compreendo que cada passo dado nesse momento pandêmico é como um desafio a ser aprendido, convivido e superado, a partir da própria vivência. Dessa forma, é possível gerar enriquecimento de expertise e ainda elevar a condição profissional e humana.

Em direção a isso, e na perspectiva da gestão democrática, busco fortalecer o espaço escolar não só como campo de ajuda social, mas que este seja também um lugar coletivo de reflexão, conhecimento, aprendizado, valorização da leitura, percepção do mundo e saber.

Ao aproveitar os espaços e os tempos do CEI Parque Casa de Pedra, foi possível favorecer aspectos da gestão democrática através das contribuições de seus membros envolvidos nos diversos grupos: Mediação de Conflitos[5], Conselho de Escola[6], Associação de Pais e Mestres (APM)[7] e Conselho dos Representantes dos Conselhos de Escolas (CRECE), dentre outros.

Ainda sobre essa questão, Paro (1986, p. 46) nos diz que:

Tendo em conta que a participação democrática não se dá espontaneamente, sendo antes um processo histórico em construção coletiva, coloca-se a necessidade de se preverem mecanismos institucionais que não apenas viabilizem, mas também incentivem práticas participativas dentro da escola pública.

De qualquer modo, este trabalho tem a intenção de apresentar um breve panorama de relatos da minha prática, vivenciada na escola, no exercício do cargo. Não pretendo concluir o ano de 2020, pois ainda há muito a ser acrescentado no desenvolvimento do trabalho como diretora nessa UE.

Ano de 2021 (até meados de junho)

O ano de 2021 começou em continuidade a 2020, no sentido de que a pandemia é uma realidade persistente. Para esse ano, a SME planejou o retorno das atividades letivas valorizando o atendimento presencial, com alterações de calendário através da Instrução Normativa SME nº 24 (SÃO PAULO, 2021). Em fevereiro, ocorreu o período de planejamento dos docentes, e logo após houve a antecipação do recesso de 2021, que ficou com as seguintes datas para o primeiro semestre: 17/03 a 25/03 e 05/04 a 09/04. Além disso, também foram antecipados alguns feriados.

Durante os planejamentos iniciais na UE, com as equipes e já com o acréscimo de alguns conhecimentos adquiridos com a vivência do ano de 2020, ou minimamente com uma nova percepção de mundo, pretendemos garantir o atendimento dos bebês e das crianças prezando pela acolhida de qualidade.

Para esse ano letivo de 2021, a proposta de ensino encaminhada pela SME, com o objetivo de atender aos protocolos sanitários contra a Covid-19, foi o atendimento “híbrido”. Consequentemente, parte do atendimento ocorreu de modo presencial e parte, de forma on-line.

Ainda sobre o retorno às atividades presenciais, foi determinado pela SME que os atendimentos aconteceriam da seguinte forma: 35% dos bebês e das crianças seriam atendidos presencialmente nas UEs e os demais deveriam acessar as atividades de forma remota, via Google Classroom, ou através de outra forma possível de acesso, até mesmo por meio de atividades impressas para aqueles que, de algum modo, não conseguissem acessar a internet.

Os critérios para o atendimento presencial preconizados pela SME seguiram esta ordem: crianças em vulnerabilidade, crianças maiores, crianças e bebês irmãos na mesma UE.

Nesse período, notei que os desafios só aumentavam, pois, ao verificar os requisitos para o atendimento presencial, compreendi que o item “vulnerabilidade” era o que mais implicava, por diversos motivos: perda de trabalho, insegurança alimentar, violência doméstica, perda de moradia etc.

Ainda nesse período, quando da alteração do recesso escolar para docentes e alunos, novos requisitos para o atendimento presencial dos bebês e das crianças foram acrescentados pela SME, dentre os quais estava atender presencialmente bebês e crianças cujos pais e/ou responsáveis trabalhassem em áreas essenciais, como saúde, segurança pública, educação etc.

A pesquisa para definição desse atendimento foi realizada pela própria SME. Através de um link, os familiares responderam “sim” ou “não” para o retorno às atividades presenciais e identificaram-se como profissionais de serviço essencial, se fosse o caso.

No entanto, esses outros critérios para acolhida presencial não chegaram a fazer diferença no CEI, pois, embora tivesse havido o acréscimo do aspecto do serviço essencial, ainda assim o requisito “vulnerabilidade” englobava todos os outros, de modo que aqueles que precisaram foram atendidos dentro do limite dos 35% da capacidade da escola.

Diante dessa nova demanda, passei a organizar, juntamente com a AD e a CP, meios que possibilitassem garantir um atendimento de qualidade, buscando melhorias no acolhimento à comunidade escolar, valorizando a transparência na comunicação e o trato com os atores envolvidos, visando a atender com urbanidade, cada vez mais, os membros do território.

Levando em consideração a representatividade dos envolvidos – bebês, crianças, familiares e educadores – e ainda acreditando na perspectiva da gestão democrática, busquei sempre dialogar com os diversos segmentos, sobretudo com os familiares dos bebês e das crianças, de forma que foram realizadas diversas reuniões com mães, pais e/ou responsáveis, com o objetivo de esclarecer as variadas alterações de atendimento impostas pela SME.

Outra demonstração de esforço na acolhida foi a comunicação constante com as famílias, por meio dos canais de contato criados na UE.

Um dos desafios para esse ano de 2021 foi a busca ativa constante e a manutenção do diálogo, a partir dos quais procurei identificar, sobretudo, o bem-estar dos bebês, das crianças e de suas famílias nas diversas questões: insegurança alimentar, violência doméstica, perdas por óbitos etc. Ao identificar casos com mais necessidades, solicitei o apoio e a parceira do Núcleo de Apoio e Acompanhamento para Aprendizagem (Naapa).

Por conseguinte, no âmbito da UE, e para ajudar nessa busca ativa, criei um formulário interno para registro de contato, que também serve de pesquisa, a fim de verificar os casos de evasão escolar. Essa busca é realizada toda quinta-feira, quando telefonamos para as famílias que, embora tenham optado pelo atendimento presencial de seus filhos, estão ausentes da escola. Outra situação de busca é quando o familiar não acessa ou não dá retorno das atividades postadas no espaço virtual.

A partir das ausências confirmadas, visando a garantir o acesso e a permanência dos bebês e das crianças na escola, foram enviadas mensagens via Facebook, ou foram realizadas visitas às residências. Buscamos, ainda, via Correios, encaminhar cartas com aviso de recebimento (AR), convocando o familiar do bebê ou da criança a dar conta da frequência de seus filhos. Como último recurso, foi acionado o Conselho Tutelar, com o intuito de ajudar na localização das famílias.

Também na UE, busquei me utilizar, juntamente com a equipe gestora, de diversos momentos para favorecer o diálogo com os responsáveis familiares: na entrega dos auxílios emergenciais – como cestas básicas, cartão merenda, leite – e dos recursos pedagógicos – como materiais, apostilas Trilhas de Aprendizagem etc. Assim, a cada oportunidade, procurei estabelecer situações de escuta, para perceber a condição de cada familiar, bebê ou criança.

Os contatos com os familiares também ocorreram a partir das reuniões do Conselho e da APM. Embora estas tenham decorrido de forma virtual, solicitei aos membros dos colegiados, por diversas vezes, que comparecessem presencialmente à escola para assinar os documentos.

Outra ocasião muito importante de diálogo com as famílias aconteceu durante o ano de 2021, quando o retorno presencial deveria ocorrer. À época, a escola não oferecia condições de atendimento, pois o contrato com a empresa terceirizada de limpeza havia sido rompido, e não houve contratação de outra empresa em tempo hábil. Se, em 2020, havia apenas uma funcionária da empresa terceirizada de limpeza, no início de 2021 houve a contratação temporária de três trabalhadoras para a prestação dos serviços.

Em uma reunião extraordinária, as famílias foram convocadas a tomar ciência dessa situação. Ao explicarmos essa grande falha de estratégia da Prefeitura Municipal de São Paulo, mesmo necessitando do atendimento, alguns responsáveis pelos bebês e pelas crianças compreenderam de pronto a necessidade de adiar o retorno de seus filhos.

Outro momento também ocorreu por circunstância semelhante à anterior, só que, nesse caso, a contratação da equipe de limpeza já havia iniciado, no entanto os profissionais não eram suficientes para a prestação do serviço. Então, novamente, os familiares foram convocados para estarem cientes do ocorrido. Mais uma vez, as famílias optantes pelo retorno concluíram que não deveriam encaminhar seus filhos para a escola, e o início das aulas presenciais foi novamente adiado por pelo menos três dias.

Diante de todos esses acontecimentos e após as explicações da equipe gestora durante as várias reuniões, percebi que a questão do adiamento do atendimento havia sido entendida por essas famílias. Toda essa situação que afetava os protocolos de segurança no enfrentamento à Covid-19 não tinha relação direta com a direção do CEI, com a equipe gestora ou com o corpo docente. Alguns responsáveis logo observaram a seriedade, a transparência e o respeito com que foram acolhidos pela escola e, em uma atitude observada de consciência política, concluíram que isso representava falta de interesse por parte do poder público em oferecer o zelo e o cuidado necessários com o CEI e com seus filhos.

Então, a partir dessa compreensão dos membros da comunidade, dos pais e das mães dos bebês e das crianças da UE, pude contemplar que o diálogo favoreceu a acolhida e que, possivelmente, ele ainda é capaz de fortalecer a gestão democrática no CEI, que visa a ser um espaço de desenvolvimento social e de mudança para a vida das pessoas. Como nos apresenta Freire (1987, p. 42):

O diálogo é o encontro entre os homens, mediatizados pelo mundo, para designá-lo. Se ao dizer suas palavras, ao chamar ao mundo, os homens o transformam, o diálogo impõe-se como o caminho pelo qual os homens encontram seu significado enquanto homens; o diálogo é, pois, uma necessidade existencial.

Assim, embora haja diversas demandas para o diretor escolar e os desafios sejam uma constante, especialmente em tempos de pandemia, julgo que o diálogo e a transparência em minhas ações como diretora de escola, embasadas pelas legislações que regem o cargo, são, de fato, facilitadores no exercício do ofício, em uma perspectiva de gestão democrática. Contudo posso dizer que a atuação e a construção do exercício do cargo de diretor de escola também se fazem no cotidiano, que pode ser favorecido por meio do diálogo e da escuta.

Considerações finais

No presente trabalho, busquei destacar recortes de prática das minhas ações, em 2020 e metade de 2021, como diretora escolar do CEI Parque Casa de Pedra, em virtude das atribuições e da competência do cargo durante o processo de pandemia causada pelo coronavírus.

Como diretora dessa UE, nesse momento histórico, tencionei, frente a esses desafios, registrar através de relatos e recortes da prática, refletir sobre meu ser profissional e sobre a finitude humana.

Ainda sobre este trabalho, apresentei as relações de convívio na UE com a CP, a AD, os familiares e a comunidade escolar, fundamentadas na concepção do diálogo e da escuta, com vistas ao possível fortalecimento da gestão democrática.

Para além disso, busquei mostrar a escola como espaço de acolhimento, o que pode ser percebido a partir das ações de ajuda social, quando foi possibilitado, através do espaço escolar, que servidores orientassem alguns membros do território sobre o preenchimento de formulários para obtenção de benefícios oferecidos pelos governos vigentes.

Ainda ante ao que pretendi apresentar, em meio a tantos conceitos, atribuições, competências e afazeres do gestor escolar, no período de pandemia, observei que sempre mais é exigido desse profissional cuja atuação vai além das questões de organização, articulação e implementação das políticas públicas. No âmbito da UE, o diretor é o mediador das garantias dos direitos para a comunidade escolar e para o território. Portanto o diretor de escola é parte principal do mosaico, na perspectiva de gerir, da melhor forma, as políticas públicas, visando a melhorias para todos os envolvidos no ambiente educacional e territorial.

No entanto avanços acontecem em processo e são diversas as possibilidades de aprendizado. Refletir sobre a prática pode ocasionar o aperfeiçoamento do ato de gerir, mas não a perfeição, uma vez que somos seres “inacabados”, como nos situa Freire (1987).

Desse modo, assim como o saber e o conhecimento estão em transcurso, sobretudo em um período pandêmico, os recortes, as reflexões e os relatos de prática da minha atuação como diretora de escola no CEI também não se encerram.

Referências

BRASIL. Senado Federal. Coordenação de Edições Técnicas. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <https://www2.senado.gov.br/bdsf/handle/id/572694>. Acesso em: 10 ago. 2021.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. Disponível em: <https://cpers.com.br/wp-content/uploads/2019/10/Pedagogia-do-Oprimido-Paulo-Freire.pdf>.  Acesso em: 11 jun. 2021.

______. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1989.

PARO, V. H. Administração escolar: introdução crítica. São Paulo: Cortez Autores Associados, 1986.

SÃO PAULO (Município). Casa Civil do Gabinete do Prefeito. Decreto nº 59.283, de 16 de março de 2020. Declara situação de emergência no Município de São Paulo e define outras medidas para o enfrentamento da pandemia decorrente do coronavírus. Disponível em: <http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-59283-de-16-de-marco-de-2020>. Acesso em: 10 maio 2021. (2020a)

______. Secretaria Municipal de Educação. Instrução Normativa SME nº 13, de 19 de março de 2020. Estabelece medidas transitórias e antecipa o período de recesso das unidades educacionais da rede direta e parceira em razão da situação de emergência no município de São Paulo – pandemia decorrente do coronavírus, e dá outras providências. disponível em: <http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/instrucao-normativa-secretaria-municipal-de-educacao-sme-13-de-19-de-marco-de-2020>. Acesso em: 10 ago. 2021. (2020b)

______. Secretaria Municipal de Educação. Instrução Normativa SME nº 24, de 26 de junho de 2021. Altera a Instrução Normativa SME nº 3, de 11 de fevereiro de 2021, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração do calendário de atividades – 2021 nas unidades educacionais de educação infantil da rede direta e parceira, de ensino fundamental, de ensino fundamental e médio, de educação de jovens e adultos e das escolas municipais de educação bilíngue para surdos da rede municipal de ensino. Disponível em: <https://www.sinesp.org.br/-saiu-no-doc/12502>. Acesso em: 10 ago. 2021.

 

[1] Pedagoga pela Universidade de Guarulhos (2007). Especialista em Educação para a Sexualidade pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (2010), em Docência do Ensino Superior, pelas Faculdades Integradas Campos Salles (2015), e em Psicomotricidade, pela Faculdade de Ciências e Tecnologia Paulistana (2016). Professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental I na Rede Municipal de Ensino de São Paulo desde 2010. Diretora de escola na mesma Rede (2018). Filiada ao Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo (2018). E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

[2] Empresas que atuam nas UEs, com contratos realizados por licitação com a Prefeitura Municipal de São Paulo.

[3] Anvisa – Nota Técnica da Anvisa/recomendações sobre produtos saneantes, desinfecção/higienização de objetos e superfícies durante a pandemia; Anvisa – Orientações gerais sobre máscaras de uso não profissional; Escola Municipal de Saúde (EMS) – Formações para Educadores/Através do Ambiente Ava.

[4] Instituído pela Secretaria Municipal de Educação através da Lei nº 13.991, de 10 de junho de 2005, com o objetivo de garantir maior autonomia às UEs.

[5] Grupo de Mediação de Conflitos: facilitadores de negociação com objetivo de sanar conflitos, com base nos princípios dos direitos humanos.

[6] Conselho de Escola: órgão colegiado com representatividade de todos os segmentos da comunidade escolar, com poder para informar, aprovar, deliberar decisões tomada pelo Colegiado, a partir do seu Estatuto.

[7] Associação de Pais e Mestres: associação sem fins lucrativos, que representa os interesses comuns dos profissionais e dos pais de alunos e alunos de uma escola; é responsável pelo uso das verbas utilizadas na UE.

 


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