O PLANEJAMENTO E A ROTINA NAS PRÁTICAS DA EQUIPE GESTORA E DAS PROFESSORAS DE UMA CRECHE LOCALIZADA NO ABC PAULISTA

 

Sandra Aparecida do Prado[1]

Resumo

Este artigo tem por objetivo apresentar parte dos resultados da dissertação defendida pela autora no Programa de Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais da Universidade Nove de Julho, em 2016, que se propôs a analisar o planejamento e a rotina em uma creche do município de Santo André e a atuação da equipe gestora e das professoras para mudanças em suas práticas pedagógicas junto às crianças atendidas.

Palavras-chave: Planejamento. Rotina. Creche.

Introdução

Este artigo tem por objetivo apresentar parte dos resultados da dissertação defendida por mim no Programa de Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais da Universidade Nove de Julho, em 2016, que se propôs a analisar o planejamento e a rotina em uma creche do município de Santo André e a atuação da equipe gestora e das professoras para mudanças em suas práticas pedagógicas junto às crianças atendidas.

O desafio principal que me moveu a desenvolver a pesquisa foram as constantes inquietações a respeito da rotina e do planejamento realizado nas creches em que atuei como diretora e a relação entre o papel dos gestores – diretora e assistente pedagógica (AP) – no momento de formação continuada, refletindo ou não na prática das professoras. Tais inquietações são resultantes de vários anos atuando nos diferentes níveis da Educação Básica: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos (EJA).

A pesquisa teve duração de um ano e seis meses e foi realizada em uma creche na qual eu era diretora, portanto trata-se de uma pesquisa intervenção. Pesquisar a realidade, os acontecimentos diários da escola, proporciona aos sujeitos a construção de práticas pensadas e intencionais, partindo do pressuposto de que os sujeitos são capazes de construir autonomia por meio do diálogo e da busca de caminhos para o trabalho no cotidiano.

Dentre tantos questionamentos, deparei-me com a pergunta crucial da minha pesquisa: de que forma o planejamento e a rotina no espaço da creche auxiliam no desenvolvimento de boas práticas pedagógicas? Em busca de respostas a essa e a tantas outras questões que foram surgindo ao longo desse caminhar, obtive o resultado final da pesquisa, que, com certeza, não se encerra aqui, uma vez que a educação é um constante movimento.

Assim forma, essa indagação vale-se na construção do presente texto, que está organizado em quatro momentos. O primeiro contempla um pequeno resgate da Educação Infantil no município de Santo André, que respeita as legislações do país como um direito da criança, tendo como proposta construir uma cidade do conhecimento, criativa e educadora.

Em um segundo momento, discorro sobre a creche pesquisada, na qual tive a possibilidade de contar como sujeitos de pesquisa a AP e as professoras.

Em seguida, destaco o papel da equipe gestora e suas responsabilidades no âmbito da gestão administrativa e pedagógica da creche.

Finalizando, contemplo o planejamento e a rotina na creche, estudos nos quais o confronto da prática e da teoria possibilitam contribuir para uma análise das ações desenvolvidas no cotidiano da creche.

A Educação Infantil na cidade de Santo André

Para o município de Santo André, a democratização da gestão diz respeito à participação de grandes contingentes de pessoas na discussão e na formulação das políticas públicas. Ao assumir o compromisso com a gestão democrática, o governo do município tem buscado a participação da comunidade escolar na elaboração de sua política educacional.

Dessa forma, tem sido um grande desafio construir políticas públicas voltadas às transformações sociais, fazendo de Santo André uma Cidade Educadora que busca a superação de todas as formas de discriminação, assumindo a perspectiva de que viver e participar da vida constitui-se direito de todos.

Como destaca Freire (2001, p. 25):

[...] é importante afirmar que não basta reconhecer que a Cidade é educativa, independentemente de nosso querer ou de nosso desejo. A Cidade se faz educativa pela necessidade de educar, de aprender, de ensinar, de conhecer, de criar, de sonhar, de imaginar de que todos nós, mulheres e homens, impregnamos seus campos, suas montanhas, seus vales, seus rios, impregnamos suas ruas, suas praças, suas fontes, suas casas, seus edifícios, deixando em tudo o selo de certo tempo, o estilo, o gosto de certa época. A Cidade é cultura, criação. A cidade somos nós e nós somos a cidade.

A política educacional de Santo André tem se inspirado em valores humanos fundamentais, como solidariedade, sustentabilidade, justiça, respeito, liberdade e cooperação, evitando qualquer forma de discriminação, violência e trazendo o diálogo como a melhor forma para a resolução de conflitos.

De acordo com Freire (2007, p. 37):

[...] sonhamos com uma escola pública capaz, que vá se constituindo aos poucos num espaço de criatividade. Uma escola democrática em que se pratique uma pedagogia da pergunta, em que se aprenda e se ensine com seriedade, mas que a seriedade jamais vire sisudez. Uma escola em que ao ensinarem necessariamente os conteúdos, se ensine a pensar certo.

Frente aos inúmeros desafios encontrados para garantir uma gestão democrática e participativa, a Secretaria de Educação (SE) de Santo André tem buscado, ao longo dos anos, a formação de equipes gestoras, sendo estas responsáveis pelos aspectos pedagógicos e administrativos, garantindo o funcionamento das Unidades Escolares, o fortalecimento da democratização do processo pedagógico e a participação de todos os segmentos nas decisões, mediante um compromisso coletivo.

A creche pesquisada e a importância da construção do Projeto Político-Pedagógico

Conforme dados levantados no Projeto Político-Pedagógico (PPP), a creche pesquisada tem capacidade para atender 200 crianças na faixa etária de 4 meses a 3 anos e 11 meses, nos períodos integral, semi/manhã e semi/tarde.

Para a efetivação desse atendimento, a creche conta com cinco salas de aula, quatro banheiros adequados para a faixa etária, um pátio coberto, um parque, um refeitório, uma sala de vídeo, uma biblioteca, um lactário, uma cozinha industrial, uma lavanderia, uma secretaria, uma sala de reunião, quatro trocadores, dois solários, banheiros para adultos e uma cozinha para funcionários. A creche possui dois andares, sendo que as salas de aula ficam no piso superior.

A equipe da creche é composta por 50 profissionais, sendo: uma diretora, uma AP, dois auxiliares administrativos, 10 professoras, 18 agentes de desenvolvimento infantil (ADIs), quatro estagiárias do curso de Pedagogia, sete profissionais operacionais, três funcionárias da cozinha, duas lactaristas e uma assessora de educação inclusiva.

A organização dos tempos e espaços nas creches de Santo André têm alguns princípios estabelecidos pela SE, principalmente no que diz respeito aos horários de entrada e saída das crianças, conforme consta no Regimento Escolar comum para todas as unidades, porém cada uma tem autonomia para organizar os demais momentos em que a rotina acontece, tendo em vista as reais necessidades das crianças atendidas.

Dessa forma, a gestão do tempo na creche necessita ser flexível e planejada constantemente, tendo como prioridade o atendimento às crianças, com necessidades de cuidados e aprendizagens próprias, de acordo com a especificidade da faixa etária.

Assim, nesse processo de construção coletiva do PPP, é possível promover mudanças nas práticas de gestão e pedagógicas, desde que vinculadas a uma proposta conjunta da escola, e não de forma isolada, buscando elaborar propostas em comum de atuação de todos os envolvidos no processo educacional.

O papel da equipe gestora

Tradicionalmente, o papel do diretor tem sido vinculado a integrar os diversos segmentos presentes na escola, sendo esse profissional ainda considerado como a autoridade máxima das unidades escolares. Esperam-se dele ações que, de fato, permitam que a escola funcione, pautadas, sobretudo, em um PPP coletivo. Sendo assim, não se trata de desenvolver um trabalho meramente de cunho burocrático-administrativo, mas um trabalho que pressupõe coordenar e articular ações intencionais, vinculando diretamente o administrativo ao pedagógico (SEVERINO, 1992).

Na rede de Santo André, o diretor e o AP[2] compõem a equipe gestora. Cada função tem suas atribuições específicas, porém as ações desses profissionais necessitam, cada vez mais, estar interligadas, dado que o pedagógico implica no administrativo e vice-versa. Ambos exercem funções diferentes, mas complementares, com o objetivo comum de garantir a qualidade do trabalho pedagógico na escola. Conforme esclarece Libâneo (2013, p. 177):

[...] a direção e a coordenação são funções típicas de profissionais que respondem por uma área ou setor da escola tanto no âmbito administrativo quanto no pedagógico [...]. A direção é pôr em ação, de forma integrada e articulada, todos os elementos do processo organizacional, envolvendo atividades de mobilização, liderança, motivação, comunicação, coordenação. A coordenação é um aspecto da direção, significando a articulação e a convergência do esforço de cada integrante de um grupo, visando a atingir os objetivos.

Dessa forma, como eixo fundamental do trabalho da equipe gestora na creche, destaco a construção das relações cooperativas de trabalho, a organização e a integração do grupo da comunidade escolar, buscando facilitar o diálogo, garantir a heterogeneidade, a comunicação e a mediação dos conflitos, bem como o cumprimento, pelo grupo, da tarefa de cuidar e educar as crianças pequenas.

Em Santo André, o papel da equipe gestora é muito complexo e abrangente. Cabe a ela, no desempenho de suas funções, desenvolver estratégias para que os objetivos da escola sejam alcançados.

Na creche, existem conflitos constantes, o que é comum ocorrer em espaços coletivos, com pessoas que apresentam diferentes concepções de trabalho, o que representa um grande desafio para a equipe gestora. Nessa direção, em relação às atribuições da equipe gestora, Libâneo (2013, p. 183) aponta a importância de: “Identificar soluções técnicas e organizacionais para a gestão das relações interpessoais, inclusive para a mediação de conflitos que envolvam professores, alunos e outros agentes da escola”.

Nesse sentido, há necessidade de que os gestores tenham profundo conhecimento do grupo com o qual atuam, bem como da dinâmica como um todo da creche, o que permite uma visão integral das pessoas, das situações de conflito e da realização de possíveis intervenções.

Desse modo, definir o papel da equipe gestora, principalmente dos profissionais que atuam nas creches, não é simples, pois se trata de uma função que demanda formação permanente e compromisso com os bebês e as crianças pequenas, suas infâncias, as famílias e os demais profissionais que ali atuam.

Partindo do pressuposto de que o sucesso ou o fracasso da escola é, em grande parte, consequência de uma boa ou má gestão, entendo que cabe à equipe gestora ter uma visão do todo da creche e atuar tendo como objetivo principal o desenvolvimento, o acolhimento e o bem-estar dos bebês e das crianças.

A parceria entre a AP e a diretora resulta na coordenação de todas as questões pedagógicas junto ao grupo de professoras, incluindo a responsabilidade pela formação permanente e continuada. Considerando uma gestão participativa na qual o diálogo e a comunicação são bases desse processo, compete à equipe promover espaços nos quais as pessoas possam se posicionar, compartilhar suas experiências e suas ideias, expressando-se livremente. Esse movimento permite que se tornem mediadoras dessas relações comunicativas que se estabelecem e elaborem estratégias que conduzam todos os interlocutores à possibilidade de momentos de fala e escuta, o que, tendencialmente, gera um ambiente colaborativo e não competitivo, conforme afirma Vasconcellos (2004, p. 54):

A equipe ajuda quando não impõe, mas propõe, provoca. O provocar é necessário em função da existência de uma lógica para manter as pessoas anestesiadas, alienadas. É necessário administrar uma tensão do processo: respeito pelo professor e ao mesmo tempo posicionamento, provocação [...], devemos buscar o máximo respeito e a máxima exigência. Não deixar pairar clima de indefinição na instituição; definir, mesmo que provisoriamente. Depois, se necessário, rever; não ter medo de errar [...]. O papel da equipe pode ser comparado ao catalisador na reação química: estar junto, propiciar as condições, mas não fazer pelo outro.

Destaco que, mesmo frente a inúmeras dificuldades enfrentadas no dia a dia da creche, procuro encontrar, por meio delas, sentidos que me fortaleçam e me movam a assumir o desafio da condução administrativo-pedagógica de um grupo tão diverso.

Planejamento e rotina

Diante dos avanços conquistados para a Educação Infantil que a legitimam, encontra-se a creche como instância a promover “ação complementar da família e da comunidade”, tendo como finalidade “o desenvolvimento integral da criança de 0 a 6 anos de idade, em seus aspectos físico, afetivo, psicológico, intelectual, linguístico e social” (BRASIL, 1996, art. 29). Dessa forma, é crescente a preocupação com o planejamento das ações e a organização da rotina que propiciem as aprendizagens das crianças pequenas, de modo que o trabalho desenvolvido pelas professoras seja permeado pela intencionalidade e pela qualidade.

Segundo Barbosa (2006), a rotina é uma forma utilizada para desenvolver o trabalho na Educação Infantil que permite que o cotidiano seja organizado e integrado de forma significativa. Ressalto, assim, a importância de as professoras estabelecerem práticas apoiadas nas relações e nas interações com as crianças, proporcionando a elas experiências cotidianas e processos de aprendizagem em espaços coletivos, diferentemente de uma intencionalidade pedagógica voltada para resultados individualizados. Exige-se, pois, estabelecer “como foco a criança e como opção pedagógica ofertar uma experiência de infância potente, diversificada, qualificada, aprofundada, complexificada, sistematizada, na qual a qualidade seja discutida e socialmente partilhada” (BRASIL, 2009, p. 9).

Ostetto (2012) aponta que os educadores se sentem cansados de cursos teóricos e acabam reivindicando sugestões de atividades, ideias para realizarem com as crianças. É de extrema importância que as professoras procurem criar espaços nos quais os pequenos possam participar de diferentes atividades lúdicas, entre outras proposições. O exercício criativo das docentes propicia desenvolvimento de seus conhecimentos por meio do confronto de ideias e opiniões, ainda mais para a busca de soluções para problemas e conflitos. Entendo que o enfrentamento de novos desafios permite que as professoras, cada vez mais, apropriem-se da cultura e desenvolvam o pensamento crítico.

Sendo assim, o planejamento construído coletivamente abre espaços, por parte de seus autores – no caso, as professoras –, ao questionamento de suas práticas, em uma constante ação-reflexão- ação, o que, certamente, promove mudanças no trabalho realizado junto às crianças.

Segundo Redin (2013), o ato de planejar traz consigo a sustentação de ideias, valores, concepções de vida e de mundo que permitem que os professores se centrem em cada criança e em seu processo de aprendizagem e de interação com o outro. Por decorrência, cada vez mais, veem-se inseridos em um processo contínuo do pensar a ação pedagógica, do construir e, até mesmo, do desconstruir paradigmas, rompendo barreiras, experimentando novas alternativas e, dessa forma, ressignificando sua prática com base na tomada de consciência de suas ações.

Nesse sentido, tanto Redin (2013) quanto o documento “Práticas cotidianas na educação infantil” (BRASIL, 2009) entendem que planejar o trabalho com crianças é criar novas formas de os professores realizarem seu fazer proporcionando uma rotina dinâmica e permitindo, até mesmo, que o inesperado apareça, para então conduzir a reflexão com experiência, confrontando teoria e prática e possibilitando vivências junto às crianças, que trazem consigo suas histórias de vida, seus desejos e suas necessidades.

Em toda proposta pedagógica, a criança deve ser o foco principal, e as práticas desenvolvidas junto a elas devem contemplar aspectos importantes que não tragam em si uma prescrição, mas uma forma de apontar direcionamentos para o trabalho (REDIN, 2013).

Em estudos sobre planejamento para os bebês, Ostetto (2015) aponta que o planejar das ações deve contemplar todos os momentos de seu dia, não se restringindo apenas à famosa “hora da atividade”, afinal o que seria dos bebês nos demais momentos – banho, alimentação e descanso –, já que, diante da especificidade da faixa etária, utilizam-se, muitas vezes, do choro para se expressarem?

A autora corrobora as ideias de Freire (1996), ao evidenciar que ensinar exige a escuta e a curiosidade. Essa escuta vem no sentido de que somente quem escuta, paciente e criticamente o outro, fala com ele de uma forma não impositiva. Sendo assim, quem tem o que dizer deve sempre desafiar quem escuta, possibilitando a quem escuta dizer algo. No que diz respeito à curiosidade, a autora explicita que procedimentos autoritários e paternalistas impedem o exercício da curiosidade, tanto por parte de quem ensina como por parte de quem aprende.

Assim sendo, os professores necessitam saber que, sem a curiosidade, não se aprende nem se ensina. Dessa forma, tanto as crianças como as professoras assumem-se epistemologicamente curiosas, em uma postura baseada no diálogo e não na passividade. Essa curiosidade inicial, com o passar do tempo, transforma-se em curiosidade crítica, levando a pessoa a perseguir, de forma mais intensa, seus objetivos. Exercitar e praticar a escuta das crianças é perseguir a compreensão de seus modos de sentir, pensar, fazer, perguntar, desejar e planejar.

Quando os professores oportunizam o processo de escuta das crianças, aprendem a perceber o quão complexas são suas ações. A observação, nesse sentido, serve para que as propostas a serem desenvolvidas com os pequenos possam construir processos longos, com sentido e história. É nessa direção que o binômio “cuidar e educar” se entrelaçam, pois é nessas ações do cotidiano que ocorrem as trocas afetivas. Também se faz necessário que os professores contemplem, em sua rotina, pequenas ações que envolvam brincadeiras e outras linguagens, permitindo, desse modo, que as crianças se expressem das mais diversas formas. Assim, precisam aprender a brincar com as crianças, e não apenas se posicionarem nos momentos de conflitos entre elas.

Em uma perspectiva freiriana, pode-se dizer que, diante dessas ações, é possível observar os professores com a responsabilidade de coordenar todas as ações pedagógicas do cotidiano; as crianças e os adultos, como sujeitos participantes e autônomos, e a creche, como espaço de cultura e vivências nas quais as pessoas possam se compreender, completar-se, participar dessa realidade e discuti-la na busca de possibilidades de mudanças e transformações cotidianas.

Nesse movimento, Freire (1996, p. 67) destaca que:

A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiência respeitosa da liberdade.

A professora democrática, coerente, competente, que testemunha seu gosto da vida, sua esperança no mundo melhor, que atesta sua capacidade de luta, seu respeito às diferenças, sabe cada vez mais o valor que tem para a modificação da realidade, a maneira consistente com que vive sua presença no mundo, de que sua experiência na escola é apenas um momento, mas um momento importante que precisa de ser autenticamente vivido.

Barbosa (2009) aponta que, no trabalho com os pequenos, podemos e devemos trazer para as práticas do cotidiano modos diferentes dos já estabelecidos, na utilização do tempo; construir tempo para estar junto e sempre presente, ou seja, estar com as crianças, buscando mantê-las atentas e interessadas. Sendo assim, existe uma necessidade urgente de retomada das práticas pedagógicas de compartilhar a vida, brincar, experimentar e narrar suas vivências.

Para Ostetto (2015, p. 178):

Planejar envolve escolhas: O que incluir, o que deixar de fora, onde e quando realizar isso ou aquilo. E as escolhas, ao meu ver, derivam sempre de crenças ou princípios. Como um processo reflexivo, no processo de elaboração do planejamento o educador vai aprendendo e exercitando sua capacidade de perceber as necessidades do grupo de crianças.

Pensar nas necessidades das crianças requer um olhar atento a cada uma: da criança para consigo mesma, para com os colegas e para com as professoras; o que está em jogo é que as crianças desfrutem de momentos desafiadores e prazerosos. A ousadia deve estar presente nas ações planejadas, não desconsiderando a necessidade do cuidado com a integridade física das crianças, porém o exercício de planejar as ações e de antever possíveis percalços é fundamental para o êxito do trabalho. Nas trocas entre os pares é que esse exercício de tomada de consciência vai se ampliando, em um movimento de ação-reflexão-ação, e a prática desenvolvida junto aos pequenos vai se aprimorando.

Para as crianças da creche, a brincadeira simbólica ou brincadeira de faz de conta, como é mais conhecida, é a atividade lúdica em que elas exploram a imaginação e os materiais disponíveis para criar e recriar a realidade, ao mesmo tempo que criam e recriam sua identidade. Dar às crianças tempo para brincar possibilita a elas a ampliação de sua imaginação, por isso é importante a oferta de brinquedos e espaços variados – como fantasias, fantoches, diferentes tecidos, construção de cabanas – que lhes possibilitem representar diferentes papéis e expressar suas necessidades, seus medos, desejos e sonhos. É a oportunidade para desenvolverem a identidade, o autoconhecimento, a imaginação e, principalmente, a socialização.

Planejar é estudar e organizar situações de aprendizagem para as crianças. Se o professor tem boa formação e é investigativo, ele não precisa dominar todos os conhecimentos que podem se fazer presentes no grupo, ele faz sua formação continuamente junto com as crianças e em momentos de pesquisa e reflexão com seus colegas. A postura do professor deve ser a de organizador, mediador e elaborador de materiais, ambientes e atividades que permitirão às crianças construir ações sobre objetos e formas de pensamento. Numa nova perspectiva, compreende-se o papel do professor como o de um orientador da busca do conhecimento, principalmente quando ela surge como necessidade para desenvolver o projeto do grupo e as necessidades e desejos individuais das crianças (BRASIL, 2009, p. 37).

Ao entender a rotina e o planejamento na creche como uma referência para construir vivências e aprendizagens com as crianças, fica evidente a necessidade de ouvir e valorizar o que elas dizem. Desse modo, as crianças devem ser consideradas como o centro do planejamento, como sujeitos históricos e de direitos que, nas interações vivenciadas, constroem sua identidade pessoal e coletiva, brincam, fantasiam, aprendem, observam, experimentam, narram, questionam e constroem sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo, assim, sua cultura.

Considerações finais

O presente texto teve por objetivo analisar o planejamento e a rotina em uma creche do município de Santo André e a atuação da equipe gestora e das professoras para mudanças em suas práticas pedagógicas junto às crianças atendidas.

A temática abordada por mim, enquanto diretora/pesquisadora, surgiu a partir de diversas inquietações que trago em meu percurso como gestora, que me possibilitaram perceber a importância dos gestores na formação das professoras que atuam com os pequenos.

O trabalho desenvolvido com as crianças de 0 a 3 anos tem se revelado um importante espaço para atuação e pesquisa e, consequentemente, para exploração de inúmeros desafios e possibilidades de novas práticas.

Como primeira etapa da educação básica, as creches acabaram por adquirir uma nova configuração, com um caráter menos assistencialista, porém as peculiaridades dessa faixa etária tão específica nem sempre são respeitadas. O cuidado e a educação de bebês e crianças muito pequenas exigem condições estruturais e organizativas muito particulares.

Na creche pesquisada, os professores possuem intenções pedagógicas definidas, mas evidencia-se a necessidade de estudos mais aprofundados sobre a Educação Infantil, principalmente com relação ao trabalho voltado às crianças de 0 a 3 anos, e de compartilhamento desses estudos no coletivo. Nas questões referentes ao planejamento, os documentos oficiais disponibilizados são importantes, entretanto existe a necessidade de que eles sejam mais bem estudados, tornando-se significativos na elaboração do trabalho a ser realizado na creche.

Quanto ao PPP da unidade, posso dizer que busca contemplar princípios baseados em uma gestão democrática, ou seja, traz em sua escrita a autonomia da comunidade escolar, envolvendo a participação de todos, porém o grupo de professoras revela que o documento ainda não é utilizado em suas práticas cotidianas, principalmente para a elaboração do planejamento. Envolver a comunidade na construção do PPP e compartilhar a responsabilidade de definir os caminhos a serem tomados é um grande desafio, porém, possível. Diante do constatado, cabe à equipe gestora criar a identidade desse local, a partir de um PPP não somente revisitado, mas construído coletivamente, transformando-o em um documento vivo e bem estruturado, que se torne um instrumento de planejamento e avaliação no qual toda a equipe assuma suas responsabilidades, criando assim, para cara um, a ideia de pertencimento.

Durante o período da pesquisa, enquanto diretora e pesquisadora, vários momentos possibilitaram-me estar mais próxima do grupo de professoras, bem como fazer intervenções, tanto durante a rotina quanto em momentos de reuniões pedagógicas e durante as devolutivas de observações realizadas para a pesquisa, tendo como centro das discussões a reflexão sobre as práticas desenvolvidas na creche. As professoras da creche apontaram que a parceria estabelecida entre a diretora e a AP é fundamental para o bom desenvolvimento dos trabalhos na Unidade Escolar.

A mudança das equipes gestoras a cada quatro anos, quando há troca de gestões públicas, também foi revelada pelo grupo de professoras como algo prejudicial ao bom andamento da creche. Elas apontaram que, quando a equipe inicia um trabalho mais efetivo junto ao grupo de professoras, oportunizando a apropriação dos espaços, o estabelecimento de vínculos com o grupo de funcionários e o estreitamento de laços afetivos com a comunidade escolar, a equipe acaba sendo substituída, vindo, assim, novos gestores, com outras propostas, outros olhares, desconsiderando, muitas vezes, o percurso que o próprio grupo de professoras construiu.

Sendo assim, evidencio a necessidade de estabelecimento de critérios que não sejam apenas político-partidários, para que as equipes possam desenvolver seu trabalho com comprometimento, pautado em princípios democráticos, investindo em processos de inovação, visando a ganhos na qualidade do trabalho realizado na creche, com políticas públicas mais amplas de avaliação dessas equipes, que não sejam apenas pela opção político-partidária.

Por fim, os estudos sobre as políticas públicas voltadas para a Educação Infantil vêm se intensificando, demonstrando a importância da educação nessa faixa etária e as possibilidades de discussão sobre a educação das crianças pequenas. A pesquisa envolvendo a rotina e o planejamento na creche pesquisada foi realizada e muitas ações importantes concretizaram-se diante de muitos desafios, sendo possível a parceria necessária entre a equipe gestora e as professoras, sempre tendo como foco a educação e o cuidado dos pequenos.

Referências

 

BARBOSA, M. C. S. Por amor e por força: rotinas na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2006.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm >. Acesso em: 15 nov. 2021.

______. Práticas cotidianas na educação infantil: bases para reflexão sobre as orientações curriculares. Brasília, DF: MEC/SEB, 2009.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

______. Política e educação: ensaios. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

______. Educação e mudança. 30. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.

LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão da escola: teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Heccus, 2013.

OSTETTO, L. E. (Org.). Educação infantil: saberes e fazeres da formação de professores. 5. ed. Campinas: Papirus, 2012.

______. (Org.). Encontros e encantamentos na educação infantil: partilhando experiências de estágios. 10. ed. Campinas: Papirus, 2015.

REDIN, M. M. et al. Planejamento, práticas e projetos na educação infantil. 2. ed. Porto Alegre: Mediação, 2013.

SEVERINO, A. J. Filosofia da educação. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1992.

VASCONCELLOS, C. dos S. Coordenação do trabalho pedagógico: do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala. 5. ed. São Paulo: Libertad, 2004.

 

[1] Mestre em Educação pelo Programa de Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais (Progepe) da Universidade Nove de Julho (Uninove). Aposentada como professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental na Rede Municipal de Santo André desde 2017. Atualmente, trabalha como Supervisora Escolar na Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP), na Diretoria Regional de Educação São Mateus. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

[2] Na rede pública de Santo André, o assistente pedagógico tem as mesmas atribuições que, convencionalmente, são do coordenador pedagógico, diferindo apenas na nomenclatura.


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