BUSCA ATIVA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: DESAFIOS E POTENCIALIDADES – UM RELATO DE EXPERIÊNCIA EM UM CEI MUNICIPAL DE SÃO PAULO

Angélica Carvalho Oliveira[1]

Resumo

Neste trabalho, será relatada a experiência de uma diretora de escola sobre a busca ativa escolar em um Centro de Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de São Paulo situado na Zona Leste da cidade, a fim de apresentar os desafios ocasionados pela pandemia e as potencialidades construídas com o trabalho coletivo. Será utilizada a metodologia qualitativa, por meio de revisão bibliográfica e documental.

Palavras-chave: Busca ativa. Educação infantil. Escuta. Pandemia.

Introdução

Com o distanciamento social ocasionado pela pandemia do coronavírus, a escola precisou repensar estratégias para continuar mantendo sua função social. Na educação infantil (EI), essa tarefa tornou-se ainda mais complexa na atual conjuntura, em que o atendimento passou a ser remoto, pois as propostas, as vivências e as interações são direcionadas, prioritariamente, às famílias, pais e responsáveis.

Este trabalho apresenta um relato de experiência de uma gestora educacional[2] de um Centro de Educação Infantil (CEI) da Rede Municipal de Ensino de São Paulo que atende 133 bebês e crianças na faixa etária de 0 a 3 anos e está localizado no extremo da Zona Leste da cidade, em uma região carente e de vulnerabilidade social. A experiência relatada diz respeito às estratégias implementadas para manter o vínculo com as famílias, com base no seguinte problema: quais os desafios enfrentados e as potencialidades da busca ativa em tempos de pandemia?

Com os objetivos de montar a comissão de busca ativa, definir formas de registro, verificar quais ferramentas são mais exitosas e propiciar momentos formativos e reflexões sobre as dificuldades encontradas, utilizaremos a metodologia qualitativa, a partir do diálogo entre o relato de experiência e a revisão bibliográfica e documental.

Iniciaremos apresentando uma compreensão do termo “busca ativa”, habitualmente usado na área da saúde, que, com a pandemia, passou a ser imprescindível na educação. Depois, analisaremos os impactos da pandemia na EI. Ao final, apresentaremos o relato, os resultados e possíveis contribuições para outras unidades de EI e demais pesquisadores na área.

Compreendendo o que é “busca ativa” e sua utilização na educação infantil

O termo “busca ativa” é bastante empregado nas áreas da saúde e da assistência social, no controle e no acompanhamento de algumas doenças, como uma “política de cuidado” para a garantia dos direitos sociais, que analisa o sujeito, em sua integralidade e em seu território, e as possibilidades que esse espaço geográfico traz, não como um lugar estático, mas que possui uma rede de conexões em constante movimento. Assim, a busca ativa configura-se como um “princípio político de luta em defesa da vida” (LEMKE; SILVA, 2010, p. 291).

Embora o uso do termo seja recente no contexto educacional, antes da pandemia, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) já havia desenvolvido um programa, em parceria com outras instituições sem fins lucrativos, intitulado Busca Ativa Escolar, com o objetivo de identificar crianças em idade escolar obrigatória que estão fora da escola ou em risco de evasão. Entretanto foi com a pandemia que a busca ativa escolar se intensificou, trazendo novas estratégias para acompanhar a frequência dos alunos, manter os vínculos da escola com as famílias e minimizar o abandono e a evasão escolar (UNICEF, 2020).

O Conselho Municipal de Educação de São Paulo, por meio da Recomendação SME/CME nº 4 (SÃO PAULO, 2020), indica a criação de:

- Comissão intersetorial em cada território com o objetivo de mobilizar aliados na Busca Ativa, se possível de forma domiciliar e garantir a complementação de informações tais como: efeitos da pandemia no território, registros de ocorrências relativas à saúde, luto e outras vulnerabilidades.

- Comissão em cada UE [Unidade Educacional] com a participação de representantes dos diferentes segmentos da comunidade educacional (Conselhos de CEI/Escola/CEU, APM, Grêmios Estudantis, Comissão de Mediação de Conflitos, entre outros) para planejar ações e estratégias que potencializem a Busca Ativa Escolar (SÃO PAULO, 2020, s/p).

Podemos observar que há diferenças na comissão de busca ativa realizada no âmbito escolar e no âmbito intersetorial que envolvem diversas secretarias do território, embora ambas sejam importantes e necessárias para a garantia de direitos dos bebês e das crianças. Neste trabalho, iremos nos debruçar sobre a busca em âmbito escolar, com especial atenção à EI.

De acordo com a Recomendação (SÃO PAULO, 2020), a busca ativa na escola deve envolver diversas ações, como mapeamento, acolhimento, monitoramento e acompanhamento de bebês e crianças, controle da frequência, buscas virtuais – visando a contatar as famílias por intermédio de diferentes meios de comunicação –, registro e socialização das informações.

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), a EI tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança na faixa etária de 0 a 5 anos. O atendimento de bebês e crianças de 0 a 3 anos é realizado em CEIs e o de crianças de 4 e 5 anos, em Escolas Municipais de Educação Infantil (Emeis), ambos com exigência mínima de frequência de 60% do total de horas.

Antes da pandemia, as Unidades Educacionais (UEs) já utilizavam alguns recursos para evitar a evasão e o abandono escolar, como contato telefônico com as famílias para saber quais os motivos das ausências. Quando a ação não obtinha êxito, enviavam carta registrada convocando o comparecimento da família à UE e faziam encaminhamento ao conselho tutelar e/ou a outros serviços da rede de proteção.

Embora a EI seja obrigatória a partir dos 4 anos de idade, a busca ativa escolar é imprescindível desde a primeira etapa da infância, principalmente no atual momento, para que possamos realizar a escuta ativa e identificar as reais condições das famílias e possíveis encaminhamentos para garantir o direito à educação de bebês e crianças e seu desenvolvimento integral, “em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade” (BRASIL, 1996, art. 29).

A pandemia e os impactos na educação infantil

Com o avanço da disseminação de Covid-19, a quarentena e o isolamento social amplificaram as dificuldades existentes dentro e fora da escola, principalmente em regiões carentes e de vulnerabilidade social, e agravaram “uma situação de crise a que a população mundial tem vindo a ser sujeita” (SANTOS, 2020, p. 6).

É notório que as desigualdades sociais ficaram mais evidentes com a pandemia. Nesse contexto, Santos (2020, p. 15) aponta que, para alguns grupos, “a quarentena é particularmente difícil. São os grupos que têm em comum padecerem de uma especial vulnerabilidade que precede a quarentena e se agrava com ela”. O autor refere-se a diferentes grupos, dentre os quais destacamos um, que compõe o território do CEI: o das mulheres que, implicitamente, na sociedade machista em que vivemos, são as principais responsáveis pelo cuidado das famílias e acabam tendo sua jornada de trabalho extenuada com o isolamento social. Mesmo com mais pessoas em casa, com quem poderiam ser compartilhadas as tarefas domésticas, as mulheres ficam sobrecarregadas com as diversas funções que passaram a exercer em seus lares, além das que já realizavam.

Para Santos (2020), com o isolamento, as crianças e outros familiares passaram a ficar mais tempo juntos, muitas vezes, em espaços minúsculos, o que gerou o aumento do estresse, recaindo a culpa sobre as mulheres. O autor sugere também que, nesse período, devido à crise emergencial e ao confinamento, ocorreu o aumento da violência contra esse grupo.

As famílias de regiões periféricas sofrem com privações sociais, como a fome e o desemprego, vivendo em bairros informais, com baixa infraestrutura, habitações inadequadas e poucas condições de seguirem os protocolos sanitários impostos pela pandemia, habitando “na cidade sem direito à cidade” (SANTOS, 2020, p. 18).

Com a quarentena, grupos de pessoas vulneráveis, compostos de adultos e crianças, ficaram expostos à violência doméstica, convivendo por um período prolongado com seu agressor, estando sujeitos a inúmeras violações de seus direitos.

Os trabalhadores autônomos, informais e de rua tiveram suas atividades prejudicadas com o distanciamento social, devido ao fechamento do comércio e à restrição de circulação de pessoas.

É nesse contexto que estão inseridos muitos bebês e muitas crianças de regiões periféricas que, na crise emergencial, passaram a ter o atendimento remoto, o que acarretou outros problemas, como a dificuldade de muitas famílias em relação ao acesso à internet.

Não podemos deixar de citar que a UE é a primeira instituição social da rede de proteção mais próxima das famílias. Sabemos que a escola não pode abarcar tudo, mas como garantir que os direitos educacionais de bebês e crianças de 0 a 3 anos sejam atendidos?

O relato da experiência: desafios e potencialidades

Neste ano de 2021, começamos o atendimento presencial de até 35% da capacidade do CEI, seguindo as orientações da SME e os protocolos de retorno vigentes. Depois de realizada a consulta às famílias sobre o interesse pelo retorno, foram priorizadas aquelas que trabalhavam em serviços essenciais, como saúde, educação, segurança, transporte público, serviço social e serviço funerário. Posteriormente, seguimos uma lista de espera por ordem decrescente de idade. O restante dos bebês e das crianças continuou com o atendimento remoto.

É importante ressaltar que as propostas de vivências no atendimento remoto são direcionadas aos pais e aos responsáveis e que é através das devolutivas das famílias, por mensagens de voz e texto, por fotos e vídeos que acompanhamos um pouco do desenvolvimento dos bebês e das crianças.

Iniciamos criando a comissão de busca ativa na UE, com membros voluntários e indicados de diferentes colegiados e de todas as equipes que compõem o CEI – equipe gestora, equipe docente, equipe de apoio e familiares. A partir disso, discutimos sobre os objetivos da comissão e estabelecemos um fluxo de informações.

A princípio, para a busca ativa com o levantamento de bebês e crianças ausentes no atendimento presencial e remoto, os membros estabeleceram uma rotina que incluía diferentes meios de comunicação para contatar as famílias, entre eles a ligação telefônica e o WhatsApp.

Também discutimos que a forma de abordagem para tratar da ausência do presencial deveria ser diferente do remoto, pois a família atendida no presencial já havia tido um contato com o CEI, com os profissionais que ali estão, enquanto, no remoto, muitos nem conheciam a unidade, pois, devido à pandemia, haviam realizado a matrícula por telefone ou por mensagens de aplicativo no celular.

Nesse sentido, estabelecemos algumas perguntas para os familiares de bebês e crianças do remoto, no intuito de mapear essas famílias e também poder fazer a escuta e o acolhimento desses pais e responsáveis e verificar quais as dificuldades em acompanhar as propostas remotas, com base nas orientações do Protocolo de Volta às Aulas – 2021:

O mapeamento das crianças que serão atendidas virtualmente ocorrerá com constância; A UE deverá buscar conhecer os motivos e formas de solucionar os problemas que impedem as famílias de acessarem as atividades disponibilizadas remotamente (SÃO PAULO, 2021, p. 39).

Criamos na UE uma planilha para o registro do diálogo com a família, contendo informações relativas à turma, à identificação do funcionário, ao tipo de atendimento e ao familiar, com um espaço para registro dissertativo da conversa com o responsável pelo bebê ou pela criança.

Com a preocupação de criar um vínculo pedagógico com essas famílias, utilizamos, além da plataforma Google Sala de Aula e do Facebook, os grupos de WhatsApp, através dos quais recebemos a devolutiva das famílias por meio de vídeos, fotos e mensagens de texto. Entretanto havia famílias que não nos davam nenhum retorno, e estas foram nosso foco principal no processo de busca ativa, pois foi necessário criar diferentes formas de realizar a escuta desses pais e responsáveis, para que, de alguma forma, continuássemos fortalecendo a relação entre família e escola.

No decorrer desse processo, a comissão reuniu-se algumas vezes para discutir as dificuldades encontradas e encontrar possíveis soluções. Uma das dificuldades foi que, no caso de algumas famílias, não conseguimos falar com um responsável direto, ou seja, falamos sempre com um contato de recado, com o qual construímos um diálogo para poder agendar um momento em que a família pudesse nos atender ao telefone ou presencialmente na unidade, para falarmos um pouco sobre as propostas e a criança.

Também tivemos a situação da família que estava nos grupos e alegava não ter tempo de nos atender. Nesse sentido, realizamos um trabalho de conscientização da importância de criar vínculos afetivos com o bebê ou a criança, mesmo dentro de uma rotina exaustiva, pois são essenciais para o desenvolvimento deles.

Outra dificuldade foi em relação às famílias que não possuíam acesso à internet. Nesses casos, acordamos momentos para retirar as atividades impressas e buscamos o diálogo com o responsável para escutar como estavam sendo essas experiências em casa.

Assim, pudemos conhecer melhor a realidade da nossa comunidade, identificar suas dificuldades e até realizar alguns encaminhamentos para a Unidade Básica de Saúde (UBS) que atende nosso território.

Houve alguns casos em que não logramos êxito no contato e, depois de esgotadas as possibilidades, foi necessário o envio de carta registrada e acionamento do conselho tutelar.

A busca ativa também nos possibilitou aproximar as famílias do universo do CEI, mostrando a importância do nosso trabalho para a faixa etária atendida.

Considerações

Considerando a implementação da comissão de busca ativa e seu andamento até o momento, verificamos que o acolhimento e a escuta das famílias, nesse processo, são primordiais para criar vínculos, estabelecer parcerias e acompanhar o desenvolvimento dos bebês e das crianças, podendo contribuir com a garantia de seus direitos.

Apesar de poucas referências bibliográficas sobre busca ativa escolar na EI, pudemos observar que esse assunto é extremamente relevante em uma situação de pandemia, que obrigou a escola a reinventar seu fazer pedagógico considerando o cuidar e o educar como indissociáveis.

O termo “busca ativa” aproximou-se da educação, inicialmente, como uma proposta de evitar o abandono e a evasão escolar, e hoje assume uma responsabilidade com essa área e com a garantia de direitos dos bebês e das crianças.

Aprendemos que temos muito a caminhar nessa prática, discutindo e ampliando as parcerias com a rede de proteção do território, como o conselho tutelar e as UBSs, entre outros.

Referências

BRASIL. Presidência da República. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 09 nov. 2021.

LEMKE, R. A.; SILVA, R. A. N. A busca ativa como princípio político das práticas de cuidado do território. Estudos e Pesquisas em Psicologia, UERJ, RJ, v. 10, n. 1, p. 281-295, 2010. Disponível em: <http://www.revispsi.uerj.br/v10n1/artigos/pdf/v10n1a18.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2021.

SANTOS, B. S. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Edições Almedina, 2020. Disponível em: <https://www.abennacional.org.br/site/wp-content/uploads/2020/04/Livro_Boaventura.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2021.

SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Conselho Municipal de Educação. Recomendação Secretaria Municipal de Educação – SME/CME nº 04, de 20 de agosto de 2020. Normas para o retorno às atividades/aulas presenciais nas Unidades Educacionais do Sistema Municipal de Ensino de São Paulo, suspensas como medida temporária e emergencial de prevenção do contágio pelo Covid-19. Disponível em: <http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/recomendacao-secretaria-municipal-de-educacao-sme-4-de-21-de-agosto-de-2020>. Acesso em: 12 abr. 2021.

______. Secretaria Municipal de Educação. Protocolo volta às aulas: versão II. 2021. Disponível em: <https://www.sinesp.org.br/images/2020/Protocolo_SME_versaoII_jan2021_rev2.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2021.

UNICEF. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Busca Ativa Escolar em crises e emergências. 2020. Disponível em: <https://buscaativaescolar.org.br/criseseemergencias/>. Acesso em: 12 abr. 2021.

 

[1] Especialista em Ética, Valores e Cidadania na Escola pela Universidade de São Paulo (USP) e graduada em Pedagogia pela Universidade de Mogi das Cruzes (UMC). Atualmente, é diretora de escola na Rede Municipal de Ensino de São Paulo. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

[2] Responsável pela administração, pelo planejamento e pela organização dos recursos materiais, financeiros, tecnológicos, pedagógicos e humanos na implementação e na execução do Projeto Político Pedagógico (PPP) na unidade escolar.

 


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